Muito se fala na produção do etanol como uma contribuição para equacionar os problemas climáticos do planeta. Enquanto isso, questões são levantadas, como o impacto sobre a produção de alimentos, provável afetada pelo crescimento da cultura canavieira.
Os encontros dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush também ganham destaque na mídia, em meio à discussão das taxas dos subsídios agrícolas e muita diplomacia. No entanto, pouco (ou nada) se ouve a respeito dos cortadores de cana-de-açúcar, homens cujos calos nas mãos denunciam o sofrimento e a submisão a péssimas condições de trabalho.
O professor do Instituto de Economia da UFRJ, José Roberto Novaes, coordena um projeto que mobiliza pesquisadores de universidades federais a revelar a saga dos cortadores de cana e seu trabalho intenso, no limite de sua força física, contraindo doenças provocadas pela incessante exploração, como tendinite, infarto e problemas de coluna, entre outras. O salário e os direitos mínimos (carteira assinada), não compensam os riscos e os problemas adquiridos pelo ritmo alucinante de trabalho.
— O Brasil tem um grande potencial para a produção do etanol. A conjuntura é favorável, graças às vantagens competitivas no mercado internacional e à eficiência tecnológica, porém, deve-se pensar também em como os cortadores de cana, diretamente envolvidos para garantir a eficiência do setor, podem se apropriar desse lucro e melhorar suas condições de vida. A mecanização das lavouras tem alterado o perfil dos cortadores de cana-de-açúcar e a nova lógica de produção exige aumento de produtividade.
Dessa forma, o corte manual e as máquinas modernas competem entre si.
— Muitas pessoas acreditam que daqui a 10 anos a máquina vai substituir o facão, no entanto, a mecanização não vai acontecer de forma absoluta, pois, apesar de eficiente, ela tem algumas limitações: a declividade do solo, por exemplo. Além disso, o custo operacional pode chegar a R$ 2 milhões. A partir dessa lógica de gestão e organização, novos critérios e maiores exigências foram impostos aos trabalhadores braçais, remunerados de acordo com a produtividade — em média, R$ 2,70 por cada tonelada — e devem cortar cerca de 10 toneladas de cana por dia, correspondente a 9.800 golpes de facão. A contratação temporária e a mão-de-obra barata são fortes atrativos para os grandes empresários do setor canavieiro.
Uma pesquisa feita pelo professor Novaes indicou que 70% dos cortadores de cana são jovens entre 18 e 29 anos.
— Fizemos um levantamento em 1.269 carteiras profissionais e obtivemos esse dado. Quase todos são migrantes, a maioria vinda de Minas Gerais e da Paraíba. Mas, nos últimos anos, houve um aumento considerável de migrantes maranhenses e piauienses.
José Roberto Novaes diz ainda que devido às dificuldades de acesso à terra no Nordeste, principalmente, e à diminuição do valor dos produtos da roça — meio de subsistência dos agricultores — os trabalhadores são arregimentados nas cidades natais e migram para os canaviais das cidades grandes em busca de oportunidades.
O número de mortes é outra questão preocupante. O professor revela, nas últimas quatro safras foram registrados 20 óbitos.
— A causa mortis: infarto. No entanto, geralmente, não é associada ao excesso de trabalho nos canaviais. Os sindicalistas e movimentos sociais acreditam que sim. Os empresários dizem que não. Mas será que a doença não foi justamente causada pelo desgaste do corpo?
Diante desse cenário, é necessário pensar não somente na flexibilização dos subsídios agrícolas, mas também na flexibilização do trabalho escravo desempenhado por famílias carentes apenas de um “dedinho de prosa” para exigir o mínimo que lhes é negado.