Desde julho de 2006, quando Fidel Castro se afastou da presidência de Cuba por motivos de saúde, muita expectativa vem sendo criada em torno do rumo que a política cubana tomará. Com a renúncia de Fidel no último 19 de fevereiro, após 49 anos à frente do governo, e com a transição do poder no país, consolidada pela eleição de Raúl Castro para presidente da ilha, o assunto tem sido abordado diariamente pelos meios de comunicação, na maioria das vezes de forma parcial.
Segundo Manuel Sanches, professor do departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), dificilmente a mídia consegue ser imparcial pelo fato de utilizar dois conceitos que não são científicos: direita e esquerda. Para o professor, nem mesmo os especialistas em Política são imparciais em suas análises. “Direita e esquerda não são conceitos científicos, mas são capazes de produzir grandes efeitos. Quando os meios de comunicação usam esses conceitos, o que acaba predominando na cobertura midiática é a emoção e não a racionalidade. Assim, Fidel Castro é defendido ou condenado, dependendo da forma como a imprensa o caracteriza. Evidentemente, Fidel tem qualidades e defeitos que estão vinculados ao sistema de governo cubano, mas, infelizmente, a mídia não tem conceitos para tratar o assunto sem tomar partido. Nos meios de comunicação, Fidel é descrito como o que ele representa — para o bem ou para o mal — para uma geração, e isso influencia diretamente a juventude que não vivenciou a época da Revolução Cubana”, analisou Sanches.
Para Sanches, é importante ressaltar que apesar de Fidel não ter mais o controle das políticas públicas de Estado — que agora estão sob a responsabilidade de Raúl — o ex-presidente de Cuba ainda é o secretário-geral do Partido Comunista, o que confere a ele o poder de veto sobre as decisões do irmão.
— Não podemos nos enganar achando que Fidel Castro não tem mais influência sobre o governo cubano. O poder de veto sinaliza que ela ele ainda está no poder. Raúl Castro é um dos poucos do grupo de Sierra Maestra que consegue organizar bem suas ações, mas não tem o carisma de figuras como Fidel e Che Guevara. Raúl é pragmático, difícil de romantizar.
O professor explicou que Cuba passa por mudanças estruturais significativas há cerca de 20 anos. Segundo o cientista político, o Capitalismo já funciona em diversas regiões da ilha, e o capital estrangeiro circula abundantemente nas áreas onde o turismo é a principal atividade econômica. “A transição política possibilitará, gradativamente, outras mudanças importantes. Até mesmo porque a geração de Fidel e Raúl não é imortal e a outra geração que assumirá o poder em Cuba daqui a alguns anos produzirá ações baseadas em outras ideologias”, destacou. Entretanto, Sanches acredita que a tendência é que a imprensa que critica Fidel e o Socialismo continue “demonizando” o governo cubano.
— Tudo depende de como a mídia analisa o assunto e de como as emoções afloram. Todo pensamento afetivo expressa um desejo, e não uma análise racional. Aqueles que defendem a manutenção do Socialismo e que ainda vêem Fidel como aquele mesmo guerrilheiro da Revolução Cubana continuarão “sacralizando” o governo da ilha. Já aqueles que pregam o capitalismo e a liberdade certamente prosseguirão “demonizando” o regime cubano — salientou o professor, que prevê alterações também nas relações entre Cuba e EUA: “As mudanças vão ocorrer igualmente no cenário político norte-americano, com a possível eleição de um democrata, mais especificamente de Barack Obama. Apesar de o fim do bloqueio econômico não ser vital para as duas nações (EUA não dependem de Cuba e a ilha, apesar de não estabelecer comércio com os norte-americanos, mantém relações econômicas com mais de 100 países), muitas empresas sediadas nos EUA têm interesse no lucrativo turismo em território cubano”, finalizou Sanches.