O que leva um dos jornais mais vendidos no Reino Unido a, de repente, fechar suas portas? A culpa, por enquanto, não foi da Internet. Lançado há 168 anos, em 1843, o News of the World, versão dominical do jornal The Sun, circulou pela última vez em 10 de julho, com tiragem recorde de cinco milhões de exemplares. O jornal foi comprado pelo australiano Rupert Murdoch em 1969 e faz parte de seu conglomerado de comunicação News Corporation, com publicações e canais de TV em vários países. Para obter grandes furos sensacionalistas, os repórteres do tablóide fizeram escutas telefônicas ilegais de gente famosa, como a família real britânica, políticos, celebridades e até de parentes do brasileiro Jean Charles de Menezes, morto por engano em uma operação antiterror em Londres há seis anos. A decisão de fechar o jornal foi tomada por Murdoch depois do grande desgaste na revelação do caso, com a intenção de não prejudicar os outros empreendimentos do grupo. No entanto, há nos Estados Unidos pressão para que se investigue outras empresas, como a rede de TV estadunidense Fox News.
O jornal começou a ruir apenas quando o concorrente The Guardian revelou, em 2009, que a News Internacional (braço de operações do grupo no Reino Unido) gastou um milhão de libras (R$ 2,5 milhões) em acordos extrajudiciais com vítimas de espionagem para evitar processos contra o News of the World. No entanto, o assunto comoveu a opinião pública britânica apenas em julho de 2011, quando a imprensa relevou que o jornal invadiu, em 2002, a caixa postal do celular de Milly Dowler, uma estudante de 13 anos assassinada, sequestrada ao voltar para casa. Segundo o The Guardian, enquanto policiais procuravam por Milly, repórteres do News of the World escutavam o conteúdo de seu celular e apagaram algumas mensagens, o que deu à família da jovem a falsa esperança de que ela pudesse estar viva. Em 2002, a editora-chefe do tabloide era Rebekah Brooks, até o último dia 14 de julho diretora-executiva da News Internacional. Na manhã do dia seguinte, por meio de nota oficial, Rebekah disse que tomou a decisão de sair por sentir não ser a pessoa ideal para conduzir a empresa em meio à polêmica.
De acordo com o professor Joaquim Martins, da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, a linha entre a busca da notícia e a invasão de privacidade é muito tênue. Por isso, a consciência moral e a prática ética são fundamentais para o jornalismo. Segundo ele, o repórter não pode se furtar de informar o que seja importante e de interesse público, mas não tem o direito de invadir a privacidade de ninguém, expondo o que não seja devido. “O limite entre até onde o jornalista pode chegar sem ferir a privacidade de terceiros deve ser sua consciência e bom-senso”, afirma o docente. “No mínimo, ele deveria se perguntar como se sentiria se estivesse na posição daquela pessoa a quem está investigando”, conclui.
Martins acredita que as consequências desses escândalos para a imprensa britânica dependerá muito da postura pessoal dos jornalistas, de tal forma que se promova uma mudança na política de busca de notícia pelos veículos de comunicação. Para ele, o que está motivando uma maior cautela na imprensa europeia são as sentenças judiciais indenizatórias, muitas delas milionárias, quando há invasão de privacidade e dano à honra e à imagem.
Já em 2005, em operação não divulgada na imprensa, a Scotland Yard investigou o tabloide pela divulgação da notícia de um ferimento no joelho do príncipe William. Diante de matéria tão exclusiva, uma rápida checagem revelou que, para ter tido acesso àquela informação, o jornal só poderia ter invadido telefones dos assessores do príncipe. A investigação apontou para o correspondente de assuntos reais Clive Goodman, que em 2007 foi condenado a quatro meses de prisão. Na ocasião, o editor-chefe do News of the World,Andy Coulson, entregou o cargo, apesar de afirmar não conhecer o episódio. Meses depois de sair do jornal, Coulson foi nomeado chefe de comunicação do Partido Conservador. Apesar das escutas reveladas em 2009, no ano seguinte ascendeu para secretário de comunicação do governo britânico, com o conservador David Cameron eleito primeiro-ministro. Mas, diante da repercussão atual do caso, Coulson foi detido no começo de julho e posteriormente liberado, não ocupando mais o cargo de porta-voz do governo.
Em 14 de julho, mais um ex-executivo da News Internacional foi preso. Neil Wallis, ex-vice-diretor do News of the World, trabalhou no mesmo período que Coulson no jornal. Wallis trabalhou como conselheiro para os principais funcionários da Scotland Yard em 2010, o que aumenta a pressão sobre a instituição, acusada de ter vários de seus membros na folha de pagamento do tabloide. A polícia informou em nota que o empregou como conselheiro em comunicações estratégicas.