Ilustração: Caio Monteiro |
No dia 2 de abril deste ano estreava Chico Xavier, o filme. Na mesma data, há cem anos nascia o mineiro de fala pausada que se transformou em mito, despertando o olhar do brasileiro para a doutrina espírita. Diante da comemoração de seu centenário, a popularidade do médium se renova e o assunto alimenta o conteúdo de filmes, novelas e minisséries, desencadeando uma nova onda de espiritismo na mídia.
O longa sobre a vida do homem que afirmava falar com os mortos já foi visto por mais de 3 milhões de pessoas até hoje, ganhando o terceiro lugar na lista dos filmes brasileiros de maior arrecadação deste ano. No final de semana da estreia, Chico Xavier bateu recorde de público, com 586 mil pessoas em sua abertura.
Seguindo a boa fase, em setembro de 2010 entra em cartaz Nosso Lar, baseado no livro mais vendido do médium mineiro, com efeitos especiais feitos no Canadá. O filme é apontado como mais um provável sucesso do gênero. A TV Globo não ficou atrás e também colocou o tema no ar. A emissora exibe atualmente a novela Escrito nas estrelas e tem previsão de outra produção para o próximo semestre, a minissérie A cura.
No segundo maior país católico do planeta, a Federação Espírita Brasileira afirma contar com cerca de 20 milhões de adeptos. Para o professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ) Eduardo Refklefsky, os números dos seguidores de matrizes religiosas se contradizem, principalmente, porque muitas pessoas não assumem práticas e crenças espiritualistas e se dizem católicas. Os números que apontam para a quantidade de cada grupo religioso brasileiro se contradizem o tempo todo pois, segundo o professor da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ) Eduardo Refklefsky, é complicado fazer esse levantamento quando muitas pessoas, por não assumirem práticas e crenças espiritualistas, apenas se dizem católicas.
De acordo com o professor, esse interesse pelo espiritismo sempre alimentou a cultura franciscana presente na formação da religião popular no Brasil. “Chico Xavier, com o seu romance espírita, proporcionou uma maior aproximação da postura racional e científica do espiritismo de Allan Kardec, com preceitos católicos como a abnegação e o altruísmo, construindo um novo movimento dentro do espiritismo brasileiro. Ele faz a transição para uma doutrina que se aproximaria das crenças que cultuam espíritos mais primitivos, como é o caso de religiões como a umbanda e o candomblé”, afirma Refklefsky.
A postura dos católicos em relação ao espiritismo já vem sofrendo mudanças há tempos. A intolerância e o confronto deram lugar à aceitação, mesmo com questões incompatíveis. Ivo Lesbaupin, ex-professor da Escola de Serviço Social (ESS-UFRJ), explica que a Igreja Católica combateu durante muito tempo o espiritismo para garantir a hegemonia diante de outras religiões, principalmente na América Latina. “Essa posição muda com o Concílio Vaticano II, quando a postura passa a ser de respeito e tolerância com pessoas que quisessem ter outra fé.” Lesbaupin ainda explica que esta aceitação deve-se ao fato de que certas ideias do espiritismo perpassam as teorias cristãs. “São crenças com um substrato comum, a existência de Jesus Cristo e de Deus.”
A comunidade evangélica se divide quando o assunto é vida após a morte. Apesar da linha mais tradicional negar veementemente, os pentecostais aceitam a existência de espírito, considerando-o “coisa do mal”, como conta Eduardo Refklefsky, “e talvez por isso essa tenha sido a corrente que mais cresceu em número de adeptos.”
Em consequência, as produções que tratam da existência de uma vida imaterial, sempre encontraram espaço nos meios de comunicação. Ao longo das décadas de 1950 e 1960 o romance espírita passa a aparecer em programas de rádio e TV. Em 1971, a participação de Chico Xavier no programa Pinga-fogo, transmitido pela TV Tupi, bateu recordes de audiência. Em 1975, a novela A Viagem, da mesma emissora, abordou a relação entre vivos e mortos. O enredo atraiu tanto que, em 1994, a TV Globo produziu a própria refilmagem do folhetim.