De um interesse pessoal, paixão pelo tema e oportunidade de pesquisa nasceu o livro América Latina — uma luz no fim do túnel. O autor, Jorge Natal, é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) e se considera um realista esperançoso. Reflexos do passado colonial permeiam as sociedades latino-americanas no século XXI, mas nem por isso a esperança deve ser preterida. Confira a entrevista com o autor.
Olhar Virtual: Como nasceu o interesse em escrever acerca desse tema?
Jorge Natal: Há duas razões fundamentais para a elaboração desse livro. Uma delas é a antiga paixão e vontade de entender esses países tão próximos de nós, em termos geográficos e, ao mesmo tempo, tão distantes do ponto de vista da reflexão intelectual, política e acadêmica. Argumento na orelha do livro que nós, brasileiros, certamente por um processo de aculturação, dissertamos, muitas vezes, com razoável propriedade e abrangência a respeito das experiências verificadas no centro do capitalismo mundial e temos um profundo desconhecimento dos países abordados nesse livro: Colômbia, Equador, México, Paraguai e Peru. Tenho planos de escrever outra obra, considerando outros países como Argentina, Uruguai, Bolívia e Venezuela. A segunda razão foi pragmática. Consegui concretizar esse trabalho em função de uma espécie de consultoria mediada por um professor do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro — IUPERJ, da Universidade Cândido Mendes — junto à Petrobras, que tem interesse em estudar países produtores de petróleo, parceiros e concorrente do Brasil. Foi o momento de materializar esse desejo.
Olhar Virtual: Quais os fatores mais relevantes na estrutura social dos países abordados no livro, principalmente, nos últimos 20 anos?
Jorge Natal: Examinando a história das formações sociais desses países, em linhas gerais, é possível utilizar a mesma periodização, a começar pelo passado colonial. No século XIX, lograram fazer suas independências, iniciando o processo de urbanização e, por conseguinte, observou-se um processo de diversificação e complexificação da estrutura produtiva. Já no século XX, entre as décadas de 20 a 70, período marcado pelo desenvolvimentismo, o Estado participava maciçamente, através de diversas políticas públicas, a fim de fomentar a industrialização. Nos anos 80, essas políticas são orientadas em consonância com uma perspectiva mais liberalizante. Nesse período, assinala-se um ensaio do neoliberalismo. Na década de 90, essa agenda foi efetivamente implementada e conduzida. As contraposições e inflexões em relação a esse ideário começaram a aparecer, em maior ou menor grau de acordo com a dinâmica de cada país, no final do século passado.
O autor ressalta que tratar cinco países como uma coisa só não é viável, pois cada um tem suas particularidades. No entanto, há uma presença muito marcada de um período de ditadura em todos eles.
Jorge Natal: O México não experimentou a ditadura como nós e não passou pelos mesmos movimentos, devido à ação do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que utilizava um certo artifício institucional político-partidário que “dispensava” o regime ditatorial e simulava uma aparente democracia. Já os outros países sofreram golpes, contragolpes e quarteladas.
Olhar Virtual: Quais foram as sociedades mais afetadas com a ação do neoliberalismo?
Jorge Natal: Todas pagaram preços altos pela implementação, em termos de destruição de postos de trabalho e dos elos das cadeias produtivas, desnacionalização, elevação significativa das taxas de juros e informalidade no mercado de trabalho.
No México, por exemplo, os civis que tomaram o poder no final dos anos 80 eram jovens tecnocratas, graduados em universidades norte-americanas, comprometidos com a agenda neoliberal. Por conta disso, talvez, o México tenha sido um dos países mais emblemáticos com essa política dos anos 90, e a Colômbia, em função da sua dinâmica interna, conseguiu “resistir” um pouco mais a essa agenda. O assassinato do ministro da Justiça do presidente eleito, a atuação de grupos paramilitares, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército de Liberação Nacional (ELN) e a violência urbana generalizada contribuíram para atrasar a implementação do neoliberalismo. Para que as reformas liberalizantes emanadas a partir do Consenso de Washington, em 1989, fossem levadas adiante era necessário que as instituições financeiras, como o Banco Mundial e o FMI reduzissem a pressão por elas e até mesmo fornecessem empréstimos sem que as tais contrapartidas governamentais fossem exigidas — reformas previdenciária, trabalhista e fiscal.
Olhar Virtual: Em seu livro, você faz alusão ao Brasil em suas relações com os países vizinhos?
Jorge Natal: O leitor poderá perceber grande similitude entre as experiências dos países tratados no livro e a nossa experiência. O Brasil também reproduziu, a partir do século XIX, um modelo agro-exportador e uma economia sustentada, sobretudo, na exportação de um produto primário: o café. Entretanto, no bojo da expansão cafeeira, nucleada principalmente em São Paulo, há a gênese da industrialização capitalista no país. Certamente, o México é o que mais se aproxima da nossa experiência industrial.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) desses países, Jorge Natal avalia um crescimento de 5% ao ano, aproximadamente. O desenvolvimento pode estar associado à cotação de commodities (o petróleo, principalmente) no mercado internacional. Ainda no caso do México (e outros países ao norte da América do Sul) há outra singularidade: a renda enviada pelos migrantes mexicanos e outros latinos, adicionada ao balanço de pagamento do país, contribui para o alívio da pressão cambial verificada na década de 90.
Olhar Virtual: Por que o título: uma luz no fim do túnel?
Jorge Natal: Eu ouvi uma frase do Ariano Suassuna, em entrevista ao Roberto D’Ávila, em que o jornalista perguntou como o dramaturgo via o Brasil e ele respondeu: “Eu não posso ser otimista porque, imagine, com essa idade, seria confessar em público que eu sou ingênuo. E um homem de 80 anos não pode mais ser ingênuo. Mas, também não sou pessimista, se fosse eu sairia nas ruas e dava um tiro na cabeça. Eu sou um realista esperançoso”. A partir dessa afirmação eu encontrei a definição da minha posição em relação ao Brasil e a outros países periféricos. A realidade é terrível. No entanto, não há alternativa para um intelectual situado no campo progressista, senão mergulhar na realidade, esmiuçá-la, tentar entendê-la da melhor maneira possível. Apenas conhecendo essa realidade mais profundamente pode-se alimentar a esperança. Não é com alienação que vamos alimentá-la. Talvez já estejamos, de fato, vivendo o início de uma era pós-neoliberal. O neoliberalismo significou uma tragédia social para a América Latina, em termos de concentração de renda, exclusão social, destruição do que esses países tinham de mais virtuoso. Tendo em vista que a pior fase já passou, com melhoria das taxas de crescimento econômico, maior mobilização da sociedade, maior nível de conscientização, resistência de alguns mandatários, pode-se pensar com esperança. Os governos eleitos democraticamente, com votos populares e de setores que não comungam com o ideário neoliberal, já estão sendo obrigados a negociar com seus interlocutores. Então, de certa forma, há uma luz no fim do túnel.