É cada vez mais comum ver os meios de comunicação se ocupando em produzir escândalos, sobretudo no atual momento político, em que quaisquer gestos e ações tornam-se motivo de intrigas palacianas. No entanto, esta não é uma prática que está restrita à cena política, generalizando-se entre outras áreas de atuação da cobertura jornalística.
Para debater sobre o tratamento que a mídia dá aos fatos, transformado-os em espetáculo, o Olhar Virtual entrevistou a diretora da Escola de Comunicação, professora Ivana Bentes, e o diretor da Faculdade de Letras, Ronaldo Lima Lins.
"O ministro da Cultura foi à Escola de Comunicação dar uma aula de democracia e de comunicação. No entanto, acabou citando o ministro das Comunicações, Hélio Costa, a partir de um terceiro.
De tudo que Gil falou, que foram coisas importantes sobre a democratização dos meios de comunicação, tv digital, pontos de cultura, só ficou isso. A partir deste fato, acho que tem a fulanização da imprensa, o que é terrível. Os meios de comunicação, os jornais acabam funcionando com uma “candinha” pós-moderna. Este tipo de jogo fulanizado, parece-me que é jogar a política um pouco no varejo e descontextualizar.
De tudo isso, ficou essa declaração descontextualizada, com isso se cria um fato que, quem estava na Escola de Comunicação, na aula inaugural não viu – uma polêmica, um embate de cordel que não existiu. Isso é folhetinesco, é fait-divers. Esse tipo de trabalho é preocupante. Isso já aconteceu com a dança da petista, que virou a dança do escárnio, ou seja, um pequeno gesto é ampliado de maneira que vira um fait-divers.
É claro que todas estas ações são políticas, principalmente, porque estamos num ano eleitoral e qualquer gesto ou palavra ganha repercussão desmedida. Mas é claro que essa atitude da mídia é política e parcial.
A questão não foi analisada pela mídia por inteiro. Com isso o fato foi espetacularizado, parcializado, fulanizado. Virou briga do Gil com o ministro Hélio Costa e não o posicionamento político do Ministério da Cultura, que tem uma posição crítica em relação ao das Comunicações.
O fato foi descontextualizado, pois foi enunciado por Gil de maneira humorada, democrática e dentro de um outro contexto.
Em um governo democrático, o fato de se ter dois ministérios com políticas diferentes é inusitado, mas pode acontecer. Estamos vivendo exatamente este momento. Ministérios da Cultura e das Comunicações com posturas distintas em relação à democratização dos meios de comunicação. Ao invés de colocar isso claramente e o porquê desta oposição política, eles (mídia) fulanizam. Da forma como a mídia coloca os fatos, vira briga pessoal do Gil com Hélio Costa."
"A época está marcada por um conceito de estética muito diverso daquele sentido que tinha originalmente. Hoje, o que se tem é uma espécie de estética inestética. Dentro disso, a mídia tem um lugar de destaque, no sentido de que há um esforço dela para ficcionalizar as coisas e dar a elas o sentido de estética, o que é falso. Como se as pessoas vivessem uma experiência e pensassem que ela não existe e o que existe é uma coisa irreal, montada com aparência de realidade. Por exemplo, a televisão atua como uma estética no sentido que ela tem uma linguagem que se organiza de acordo com seus próprios princípios. Se vemos muita televisão todos os dias temos a impressão de que nossa vida está errada e o certo é o que está na televisão.
Os jornais começaram a existir na Europa depois da Revolução Francesa. Criaram-se muitos jornais que eram autênticos e muito próximos do povo. O contato de quem fazia o jornal com o público era muito grande, independente de o fato ser verdade ou não. À medida que o jornalismo cresceu muito, o contato passou a ser indireto e o elemento de ficção, de escapamento da verdade, cresceu muito. E a mídia passou a ser movida pela competição, no sentido do escândalo. Se for possível fazer escândalo então, supostamente, a mídia se alimenta dele. Muitas vezes há escândalos que são criados artificialmente.
A partir de um determinado momento, a mídia passou a competir para ver quem faz o escândalo maior, independentemente da realidade ou não. Ela começa a constituir um tipo de estética que não tem nada a ver com a verdade e acaba sendo inestética, porque em vez de ser uma harmonia com a idéia da perfeição, é uma harmonia simplesmente ficcional, que não tem nada a ver com a realidade.É uma outra harmonia, que podemos chamar de estética cosmética.
A mídia vive desses pequenos escândalos, não importando se as bases deles são verdadeiras ou não. Hoje em dia, este é um problema de referência em relação à realidade, difícil de desmontar. E todos nós somos vítimas disso.
"