Foto: Caio Monteiro |
Vainer participou do Fórum Social Urbano |
Durante muitos anos, acreditou-se que o Rio de Janeiro estava livre de drogas como o crack. Porém, estatísticas e reportagens mais recentes mostram um quadro bem diferente. Não só o crack é comercializado no estado, como seu consumotem aumentado imensamente.
Outro dado alarmante: de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2009, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no intervalo de um ano triplicaram as apreensões de crackno Brasil.
O processo de dependência de crack se dá rapidamente, dado que preocupa psiquiatras. Para obter outros esclarecimentos sobre a droga e as consequências de seu consumo, o Olhar Virtual entrevistou Marcelo Santos Cruz, Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
Olhar Virtual: Quais são os principais efeitos do crack?
Marcelo Santos Cruz: O crack é uma forma de administração da cocaína que, no processo de fabricação, produz pequenas pedras. Essas pedras, quando queimadas, produzem o som que deu origem ao nome da droga. O vapor produzido pela queima é aspirado e se difunde através do pulmão, passando rapidamente para o sangue, chegando ao cérebro em segundos. Essa forma de administração faz com que grande quantidade de moléculas de cocaína atinja o cérebro quase imediatamente, produzindo um efeito explosivo, descrito pelas pessoas que usam como uma sensação de prazer intenso. A droga é, então, velozmente eliminada do organismo, produzindo uma súbita interrupção da sensação de bem-estar, seguida, imediatamente, por imenso desprazer e enorme vontade de reutilizar a droga. Essa sequência é vivida pelos usuários com um comportamento compulsivo em que os indivíduos caem, com frequência, numa espiral em que os atos de usar a droga e procurar meios de usar novamente se alternam cada vez mais rapidamente.
Olhar Virtual: Quais as consequências para quem usa? Quais os efeitos no organismo?
Marcelo Santos Cruz: Pessoas que usam crack negligenciam seus cuidados com a saúde e com a alimentação, emagrecem com rapidez, expõem-se a situações de violência e de risco de contaminação com doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, os graves problemas sociais de jovens de comunidades carentes são ampliados pelo uso compulsivo, por atividades ilícitas para conseguir financiar o uso da droga e pelos problemas clínicos, que também são graves. Entre os problemas clínicos, destacam-se as já mencionadas doenças sexualmente transmissíveis, as queimaduras da boca e os problemas pulmonares, como a pneumonia por crack e a tuberculose.
Olhar Virtual: Algum tempo atrás, quase não havia apreensões de crack no Rio de Janeiro e hoje elas são constantes. O que mudou?
Marcelo Santos Cruz: A mudança foi uma consequência das estratégias do tráfico. As organizações criminosas situadas no Rio impediam a entrada do crack na cidade para evitar a perda do controle sobre seus comandados que pudessem usar a droga. Não há informações sobre o que fez com que isso mudasse, mas pode-se levantar a hipótese de que haja menos organização e menos controle sobre os vários grupos de tal forma que a concorrência entre eles tenha feito chegar o crack.
Olhar Virtual: O consumo de crack não se restringe, como a princípio pode-se imaginar, à população de rua. O que leva uma pessoa de classe média a utilizar crack? O que essas pessoas buscam?
Marcelo Santos Cruz: As pessoas de classe média que usam crack são, em geral, as que têm um uso mais pesado de drogas e passam de uma droga para outra. O que leva as pessoas a usar drogas é uma questão complexa. Entram em jogo múltiplos fatores que envolvem aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais.
Olhar Virtual: Como combater a disseminação do crack? Que tipo de políticas públicas devem ser implantadas na área?
Marcelo Santos Cruz: As ações de prevenção que conjuguem a informação sobre os riscos do uso com o oferecimento consistente de alternativas saudáveis de lazer, que motivem jovens como a música e o esporte são prioridades para revertermos a situação atual. Para as populações mais carentes, oferecimento de ações de assistência às necessidades sociais e de saúde médica e psicológica são urgentes.
Olhar Virtual: Com o aumento do consumo, eleva-se o número de pais que, sem condições de manter o viciado em casa, entregam os filhos a abrigos da prefeitura ou do estado?
Marcelo Santos Cruz: Não é que os pais entreguem os filhos para os abrigos. Há muitas décadas existe uma parcela de menores de famílias carentes que vivem em trânsito entre a casa e a rua. Antes usavam inalantes e agora usam crack. As graves condições sociais, os problemas emocionais, a desestruturação e os conflitos familiares são comuns nessas situações.
Olhar Virtual: O governo tem organismos e instituições competentes para receber e tratar desses dependentes?
Marcelo Santos Cruz: Os governos municipais, estaduais e federal têm desenvolvido ações de prevenção e tratamento. Têm sido criados serviços com ênfase na assistência social, na abordagem médica e psicológica. Além disso, profissionais têm sido capacitados com essa finalidade. No entanto, a gravidade e magnitude dos problemas são maiores do que esses serviços conseguem abarcar.
Olhar Virtual: Qual é o trabalho realizado no Projad? O Projad ajuda diretamente na assistência a usuários de drogas?
Marcelo Santos Cruz: O Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) do Instituto de Psiquiatria da UFRJ é um programa de tratamento, ensino e pesquisa dirigido para pessoas com problemas com drogas ou com o jogo. No que se refere ao tratamento, o Projad atende maiores de 18 anos e seus familiares oferecendo atendimento médico, psicoterápico e assistência social. Os atendimentos são individuais ou em grupo, em ambulatório e oficinas terapêuticas. Temos observado um crescimento da procura de pacientes que usam crack da mesma forma que outros serviços de saúde do Rio de Janeiro.