Por Francisco Conte
O pensamento sociológico brasileiro parecia, em meados do século passado, convicto de certa leitura do país que combinava um esforço por compreender as mutações estruturais por que passava a nossa sociedade com a vontade de intervir na armadura das instituições de modo a alterar mentalidades e comportamentos considerados arcaicos e construir uma sociedade moderna, concebida, ainda que com modulações e inflexões diversas, como democrática, secularizada e industrializada. Visceralmente comprometida, assim, com esse projeto igualitário e universalista de mudanças sociais, essa geração da nossa intelligentsia haverá de submeter à crítica interpretações anteriores que acentuavam nossos particularismos e enfatizavam um suposto caráter nacional ambivalente, vistas como tributárias de uma visão imobilista da vida social e, sobretudo, legitimadoras daquele status quo que, justamente, se buscava superar.
Cinco décadas depois, o pensamento sociológico brasileiro tomará novos rumos e adotará outros paradigmas que acabarão por descartar precipitadamente a produção intelectual daquela geração como iluminista e a estigmatizará como impregnada de uma teologia laica que abriga em suas entranhas um projeto totalitário. A magnífica obra de Gláucia Kruise Villas Bôas, professora do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ e coordenadora do seu Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura, reúne ensaios escritos em momentos diversos que ajudam a levantar o véu que encobre aquele momento crucial da história das idéias sociais do país e que certo prêt-à-penser contemporâneo ameaça relegar ao esquecimento.
Mudança provocada, cujo título retoma expressão de dicção mannheimiana – usual entre os sociólogos dos anos 1950 – que sintetiza a vontade de “intervir na realidade” de modo a superar os entraves à instauração de uma ordem moderna no país, está organizada em três partes. A primeira discute as interpretações do Brasil avançadas em Os sertões de Euclides da Cunha e Casa Grande & Senzala de Gilberto Freire, que resultam numa “ontologia do brasileiro” que sustenta o mito da ambigüidade do ethos nacional. A segunda volta-se para os escritos de Florestan Fernandes, Luiz de Aguiar Costa Pinto e Guerreiro Ramos e discute as tarefas do sociólogo e seu papel na formulação e implantação de uma ordem social capaz de ultrapassar nossos arcaísmos. Por fim, a última mostra como as contribuições daqueles pensadores ajudaram a revelar as desigualdades estruturais da sociedade brasileira.
Autor: Glaucia Kruise Villas Bôas
Editora FGV
Ano: 2006