Foto: Divulgação |
Enquanto a Copa do Mundo 2010 na África do Sul se aproxima do fim, o Brasil enfrenta, aqui, disputas político-esportivas acerca da seleção de estádios que irão sediar o mesmo evento em 2014. Dentro dessa temática, o assunto da vez é a rejeição aos projetos de reforma do Morumbi, estádio do São Paulo Futebol Clube. O motivo alegado pela Fifa (Fédération Internationale de Football Association) e pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para que os projetos de obras no Morumbi sejam recusados é que eles não resolveriam 100% dos problemas de visibilidade que o estádio possui. No entanto, de acordo com o jornal Folha de São Paulo, havia pontos cegos tanto em estádios da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, quanto nesta Copa da África do Sul.
Agora São Paulo vive um drama. A cidade está em busca de um novo estádio para sediar os jogos. Dentre as soluções apreciadas pela CBF está a construção de um estádio em Pirituba, zona norte de São Paulo, que precisaria de um investimento privado de R$ 1 bilhão. Segundo o Portal Exame, da editora Abril, o Corinthians administraria a nova Arena Esportiva. Mas, ao mesmo tempo, é importante lembrar que, enquanto o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, possui uma ótima relação com o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, ele desgosta Juvenal Juvêncio, que ocupa o cargo no São Paulo.
Além de tudo, ao descartar o Morumbi, a CBF influi no plano de expansão do metrô paulistano. Antes, o metrô iria ligar o aeroporto de Congonhas ao Morumbi, passando pela imensa comunidade de Paraisópolis. Esse projeto foi indefinidamente adiado e, em seu lugar, ganha força a nova linha do metrô que passaria pelos bairros de Pirituba e Pompeia, onde está o estádio do Palmeiras, que é outra opção para sede paulistana na Copa.
As decisões da CBF e da Fifa vêm gerando polêmicas às quais convidamos para comentar os professores Victor Andrade de Melo e Luiz Martins de Melo, respectivamente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da UFRJ. Andrade de Melo, inclusive, é professor de Educação Física na Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ. Ambos são especialistas em legado de eventos esportivos e acham que o investimento público não deveria ocorrer para alimentar futuros elefantes brancos.
Victor Andrade de Melo, Professor da UFRJ nos Programas de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e em Educação Física e daEscola de Educação Física e Desportos.
No mundo do futebol tudo pode acontecer. Até o que se sabe explicitamente, o projeto do Morumbi vinha sendo criticado pela própria Fifa há muito tempo. Mas há mais coisas por trás disso. Pode ser a relação ruim entre o Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e o Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo Futebol Clube, como vem especulando a Folha de São Paulo. Ou, por exemplo, o governo de São Paulo pode ter decidido não investir no Morumbi para que um novo estádio seja construído. Essa articulação do esporte com a política nacional existe.
Agora vai ser eleito outro estádio para sediar os jogos em São Paulo, pois, pela força política e econômica paulistana, a cidade não pode ficar de fora de um evento como a Copa do Mundo. Essa hipótese não existe. Com a proposta de empréstimos a juros baixos por meio do BNDES, a solução pode ser o estádio do Palmeiras ou o do Corinthians. O Palmeiras praticamente reconstruiria o estádio. Mas, pra mim, a grande questão é: qual o uso que vai se dar para esses equipamentos?
Na Grécia não havia plano de ocupações, e os equipamentos das Olimpíadas de Atenas 2004 não estão sendo utilizados lá. No Rio tivemos o exemplo dos jogos Pan-americanos de 2007. Houve várias promessas referentes à melhora do transporte na cidade, mas nada grandioso aconteceu. Veja o exemplo do Engenhão. O estádio é usado uma vez por semana pelo time do Botafogo e, portanto, não beneficia a sociedade do entorno. Já o estádio do Volta Redonda, no interior do estado do Rio de Janeiro, é um bom exemplo de equipamento bem utilizado, pois funciona todos os dias para o uso por parte de moradores da região, com aulas e afins. É nesse tipo de projeto que o poder público pode investir.
A solução que surge em São Paulo com a construção do Complexo Esportivo de Pirituba me faz perguntar: depois isso vai atender qual camada da população? E o quanto de dinheiro público deve ser investido no projeto depende da resposta a essa pergunta. É difícil acompanhar esses cálculos. Pra mim, só vale o investimento público se houver pós-evento. Esse projeto de Pirituba não dá garantia de que a população vai ter melhora qualitativa e quantitativa. O máximo que o poder público pode fazer é dar empréstimos com juros condizentes com a situação econômica nacional.
Agora, os ganhos para a população pouco interessam a órgãos como a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (COI). Eles são duas multinacionais e seus interesses são em “grana”. Até porque, se interessasse, o Rio não poderia ser escolhido para as Olimpíadas dado o exemplo desastroso do Pan. A ideia de expandir o metrô até o Morumbi passando pela comunidade de Paraisópolis em São Paulo (projeto que agora foi indefinidamente adiado), para mim, é um exemplo bem claro de suposto ganho para a população que é usado pelas agências esportivas para reduzir o impacto de questões políticas que fazem, cada vez mais, as cidades desistirem de participar desses eventos. Atualmente, há diversas forças políticas em Londres que se arrependem de ter decidido receber os jogos olímpicos de 2012. Se não houver essas amenidades, as próprias cidades começam a voltar atrás.
Mesmo a CBF parece estar muito pouco preocupada com as questões sociais. Os interesses manifestados não parecem ser sinceros. Caberia ao país estabelecer uma atenção para promover ganhos reais para a população. O governo federal deveria impor condicionantes para tais eventos e não se aliar a eles de modo acrítico, como faz.
Luiz Martins de Melo Professor adjunto da UFRJ no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas/Instituto de Economia
Já era previsível que o estádio do Morumbi não fosse aceito para sediar os jogos da Copa de 2014. No Brasil não existe estádio que atenda aos padrões exigidos pela Fifa, nem mesmo o Morumbi ou o Maracanã, logo haverá reformas.
O dinheiro público foi vetado para a construção de estádios privados, mas ele vai ser utilizado para reformas, como é o caso do Maracanã. O principal problema, no caso do Morumbi, é que, por ser um estádio privado do São Paulo, que está passando por crises financeiras, ele não consegue financiamento dos órgãos do estado, como o BNDES, para fazer essa reforma e se adequar aos níveis requeridos.
Nesse caso, as opções que São Paulo deve considerar agora são outros estádios. O Palmeiras, por exemplo, tem um projeto para reformar o Parque Antártica. É uma opção. Além disso, há o projeto de construir um novo estádio em Pirituba, o que deve reunir diversos investimentos privados, mas acho pouco provável. Essas são as principais alternativas.
O investimento público, em casos de jogos internacionais, deve ser feito tanto para aproveitar os eventos, quanto para sanar as carências da sociedade. Para a Copa do mundo, por exemplo, será necessário atacar, principalmente, o problema da mobilidade urbana. As melhores opções são investimentos no metrô, com linhas de metrô na superfície e novas linhas de trem.O que não adianta é colocar mais ônibus, pois já temos uma matriz de superfície muito saturada.
No caso das Olimpíadas, o Rio de Janeiro vai ter que fazer todos os investimentos necessários para que as demandas sejam sanadas. Os principais pontos devem ser a reforma do transporte público, com a ampliação das linhas do metrô e de ônibus e, principalmente, voltar os investimentos para as áreas mais carentes da sociedade. Será preciso fazer o saneamento da Baía de Guanabara, o saneamento das lagoas da Barra da Tijuca e efetivar o projeto de revitalização do Porto da cidade. Todos esses projetos têm de ser bem dimensionados para que não se tornem elefantes brancos e o governo não acabe com um monte de “coliseus” abandonados.
Outra discussão é avaliar se países com as condições do Brasil ou da China, por exemplo, deveriam ou não sediar jogos como a Copa ou as Olimpíadas. Deve-se pensar se é realmente necessário exigir estádios com a sofisticação que a Fifa requer em países que não terão demanda futura desses estádios. Porém, nós nos comprometemos a sediar os eventos e agora precisamos nos adequar.