Entrelinhas

Política à moda da mulher brasileira

Camilla Muniz

capa do livro

Apesar das conquistas femininas nas últimas décadas, a política brasileira ainda é um campo dominado pelos homens. De acordo com dados divulgados pela União Interparlamentar, organização internacional que congrega os parlamentos dos Estados soberanos, apenas Haiti, Guatemala e Colômbia têm menos representantes mulheres na Câmara que o Brasil. Aqui, menos de 10% dos 513 cargos de deputados federais são ocupados por elas. A despeito deste cenário desfavorável, essa minoria consegue obter votação expressiva num país cujo eleitorado é composto por aproximadamente 51% de mulheres, contra 49% de homens.

Estudando este panorama e analisando a militância das mulheres na política, Raquel Paiva, professora da Escola de Comunicação e coordenadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC) da ECO, lançou o livro Política: palavra feminina. A obra é resultado de uma pesquisa desenvolvida com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que analisou, durante sete meses, a cobertura midiática diária acerca da representação de candidatas nas eleições de 2006. Lidando com conceitos relacionados a poder, contra-hegemonia e igualdade, Raquel Paiva reuniu no livro os resultados do trabalho que envolveu pesquisadores, professores e jornalistas, além de estudantes de graduação, mestrado e doutorado.

Olhar Virtual: Política: palavra feminina é resultado de uma pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária da ECO. Como surgiu a idéia de produzir este trabalho e de que forma ele se insere nas linhas de pesquisa praticadas pelo LECC?

A idéia do projeto eu tive há alguns anos, quando estava realizando uma pesquisa sobre narrativa jornalística e me deparei com a questão da maneira como a mulher era representada, em especial pelas colunas, privilegiando aspectos físicos e alheios à sua atividade e atuação no cenário político e econômico do momento. A partir da idéia, formulei um projeto que concorreu no CNPq com pesquisas de todas as áreas do conhecimento (os conhecidos editais universais) e foi aprovado. Então, precisamente em abril de 2006, comecei a elaborar o projeto, montei uma equipe — formada por professores, alunos e pesquisadores de outras instituições — e começamos a trabalhar. O nosso Laboratório, que completou 10 anos de atividades e agrega diversos pesquisadores, tem realizado pesquisas que se concentram em dois pólos basicamente: na crítica à produção midiática (e aí vale destacar uma pesquisa anterior que fizemos e que também teve financiamento do CNPq, “Humanismo prático”, que investigou as formas como os jornais brasileiros representam os espaços de moradias populares e seus habitantes) e um outro pólo que é de intervenção, reflexão e pesquisa sobre formas de comunicação contra-hegemônica. A questão das mulheres candidatas nas eleições de 2006 insere-se nos dois contextos.

Olhar Virtual: Como surgiu a idéia de lançar as conclusões da pesquisa em livro?

A pesquisa foi amplamente divulgada. Apresentada em dois congressos nacionais, da Anpocs e da Compós, por dois anos consecutivos ela foi intensamente discutida nos nossos fóruns internos, como as jornadas científicas da UFRJ. Todos os participantes do projeto puderam divulgar os resultados e apresentar as inflexões que considerassem pertinentes à sua pesquisa pessoal. Os resultados foram também parcialmente publicados em uma revista cientifica “Qualis C” da área. O livro foi o meu olhar pessoal sobre a pesquisa realizada.

Olhar Virtual: Qual o objetivo específico do livro? Pela repercussão que a obra vem alcançando, a senhora considera que o objetivo foi plenamente atingido?

O livro foi elaborado de uma maneira bem diferente dos livros acadêmicos. Ele pretende ter amplo acesso, por isso não segue o formato que eu usei em livros anteriores. Não tem muitas citações e enfatiza os dados que contextualizam a luta da mulher-política no Brasil. Ao mesmo tempo, traz as “vísceras” da pesquisa, na medida em que apresenta dados, gráficos e tabelas que demonstram como se chegou aos resultados da pesquisa. É um livro que, apesar de ter certa leveza, considerando-se a rigidez do tema, apresenta a ampla metodologia que usamos na pesquisa, com a revisão bibliográfica, a leitura e análise diária de dois jornais (Globo e Folha de São Paulo), entrevistas com as candidatas, pesquisa para contextualização histórica, pesquisa nos arquivos dos jornais e finalmente checagem dos resultados parciais. Talvez por tudo isto, e principalmente pelo fato de que hoje esta tenha se tornado uma questão candente no mundo todo, eu tenha recebido retorno entusiástico das pessoas. O que eu gostaria é que se pensasse sobre o tema. Este vai ser o tema daqui pra frente. E isto, considero que consegui.

Olhar Virtual: Além de Jandira Feghali, quais candidatas foram eleitas personagens de Política: palavra feminina? Que características dessas mulheres foram levadas em conta no processo de seleção?

Não “elegemos” nenhuma candidata na pesquisa. O que fizemos foi entrevistar as mulheres candidatas nas eleições de 2006 que a mídia mais evidenciou. Foram aquelas que, por alguma razão, mais estiveram presentes na cobertura dos dois jornais. Elas são Heloisa Helena, Manoela D´Avila, Yeda Crussius, Ana Julia Carepa, Denise Frossard, Jandira Feghali e Cristina Almeida. Constatamos que outras, um pequeno número, também estiveram em evidência, mas não conseguimos que concedessem entrevistas e, para o livro, eu tive que descartar duas outras entrevistas porque não foram bem realizadas. No meu livro, essas foram as que considerei adequadas.

Olhar Virtual: Para analisar a cobertura diária da campanha eleitoral, foram utilizados os jornais O Globo e Folha de São Paulo. Que razões levaram à escolha dessas duas publicações?

Ainda no projeto que submeti ao CNPq, eu havia determinado que seria mais exeqüível trabalhar com a mídia impressa. E como pretendia um quadro nacional, defini, a partir dos dados divulgados pela própria mídia e acessível a todos, que os dois jornais de maior circulação nacional e considerados formadores de liderança servissem de janelas para as observações.

Olhar Virtual: Observando as vantagens e desvantagens da questão, a senhora é a favor ou contra a lei de cotas que estabelece um mínimo de candidaturas femininas por partidos?

Eu, como coordenadora de um laboratório que trabalha basicamente com os grupos minoritários, sou a favor de todos os sistemas de cotas que sejam capazes de reduzir os quadros de injustiça produzidos por grupos hegemônicos. Sou a favor de cotas como uma estratégia de luta, como um estágio em direção a uma sociedade justa e digna para todos, sem exceções.