Foi divulgado, recentemente, no site do jornal O Estadão, que escolas britânicas estão introduzindo contos infantis com temática gay para crianças entre 4 e 11 anos de idade. A iniciativa piloto foi criada para familiarizar os alunos com as relações homossexuais e adaptar o currículo a um conjunto de novas leis que entrará em vigor no próximo mês, conhecido como Ato de Igualdade, que visa reduzir desigualdades sociais e eliminar a discriminação no país.
Uma das fábulas, King & King (Rei e Rei), conta a história de um príncipe que rejeita três princesas antes de se apaixonar e se casar com o irmão de uma delas.
O Olhar Virtual convidou a técnica-administrativa da Faculdade de Letras e escritora, Georgina Martins, e o coordenador de comunicação da Pró-reitoria de Extensão (PR-5) e do projeto Diversidade Sexual na Escola, Alexandre Bortolini, para discutirem sobre o assunto. Confira seus pontos de vista.
"Eu ainda não li os contos, apenas fiquei sabendo da polêmica. Eu tenho um livro chamado O menino que brincava de ser, que se trata de um garoto que somente se identificava com personagens femininos. O livro, em momento algum, abordou a questão da sexualidade, apenas se limitou em abranger a questão do comportamento.
Essa minha obra acabou sendo rotulada de literatura infantil gay. Não gosto de rótulos, principalmente, na literatura, pois acho que a mesma por si e só, se afirma. Quando nós lemos, tiramos o que podemos, precisamos e esperamos. Então, se alguém que leu o meu livro ou qualquer outro, achou que era uma obra literária gay, foi porque precisou achar isso, porque foi isso que extraiu da leitura.
Para mim, o mais importante, antes de qualquer censura, é saber se o livro tem qualidade ou não. Se for bom, pode discutir qualquer tema com qualquer pessoa sem precisar ser censurado. Existe um monte de porcaria por aí, abordando de maneira irrisória, temáticas relevantes. Acho que não devemos nos preocupar com a mensagem que o livro passa, e, sim, se ele tem qualidade ou não. É claro que se tratando de criança, o processo é muito mais complexo, pois a literatura infantil passa por um status de moralidade, educacional.
Acho errônea essa visão didática que as pessoas têm da literatura. Ela não é para ensinar ninguém a fazer nada. Literatura é para possibilitar o sonho, a imaginação; para ajudar as pessoas a ter um melhor conhecimento do mundo que está ao seu redor.
Muitos podem achar que irá confundir a cabeça das crianças a aplicação de contos infantis gays nas escolas. Eu não vejo o menor problema nessa confusão, pois a literatura não tem que reproduzir a sociedade e sim, apontar para um caminho novo, provocar inquietações. Se estamos acostumados com determinado padrão, e o texto literário ou obra de arte nos desloca de nossa crença, nos faz refletir sobre aquele dado novo, tudo bem, essa é sua função. Agora, se o texto apenas repete tudo que já está diante dos olhos, não causa nenhum ato de reflexão, não tem mais por que existir. A arte tem que apontar para o novo.
Não teria grandes complicações em trabalhar com crianças textos abordando temática gay. Tenho quase certeza que elas aceitariam muito melhor que os adultos. Costumo citar como exemplo o texto Todos os amores, que contei para turmas de 3ª e 4ª séries e elas receberam com maior naturalidade. Num dos contos, a mocinha da história tem que ser transformada em um homem para não morrer, devido a um problema com uma deusa grega. O marido, apaixonado, prefere que ela seja transformada do que morrer. Todas as crianças concordaram com a decisão dele e torceram para que ficassem juntos.
Acho que esse tipo de iniciativa pode ajudar na conscientização da diversidade sexual, desde que não seja feita de forma didática, pois a transformação não se dá desse modo. Não adianta você chegar para um menino e dizer que não é legal chamar o coleginha de gay. É muito mais fácil você, através da arte, mostrar para essa criança que sentimentos como o amor, a paixão são inerentes ao seres humanos, independente da sua condição sexual. "
“É óbvio que sou favorável à implantação de livros que abordem essa temática, e qualquer outra que relativise o modelo de família e genêro que temos. O tempo todo nos livros infantis, nos contos, o que vemos é a imagem do heterossexual, das relação amorosas passadas sempre entre um homem e uma mulher. Quando se tem uma literatura que questiona esse modelo, que não apresenta a mulher e o homem de forma estereotipada, se contribui para superação da homofobia, da discriminação em relação à diversidade sexual.
Vivemos num mundo que discrimina tudo o que não está de acordo com os padrões pré-estabelecidos. Um gay que não fala fino, não tem trejeitos femininos, não se veste como mulher, com certeza terá um tratamento diferente daquele que externalizar essas características. Acredito que essa diferença de postura diante desta situação pode ser modificada com a tentativa de inserção de contos infantis gays nas escolas primárias, por mais resistente que seja a sociedade.
Tem uma discussão acentuada em relação às paradas de orgulho gay, devido ao fato de gays e lésbicas ficarem se beijando na frente de crianças. Muita gente critica, inclusive, os próprios homossexuais. Vejo nessa crítica uma tremenda estupidez, pois acredito ser importante que a criança presencie tal cena para perceber que é possível dois homens ou duas mulheres se gostarem, e assim, crescer e se transformar num adulto menos preconceituoso que seus pais.
Por meio das escolas, que possuem um papel fundamental nessa história, será possível modificar essa idéia distorcida da homossexualidade. Entretanto, quando o assunto é diversidade sexual, as escolas públicas e privadas, no Brasil, encontram-se numa encruzilhada. Ao mesmo tempo que uma parte da sociedade caminha em direção à aceitação das diferenças, outra mantém uma postura radical e preconceituosa. Pensando friamente, percebemos que seja qual for a postura adotada pela escola, ela sofrerá repressão de algum lado – se resolver discutir de maneira aberta a questão da homossexualidade, será retalhada pelos conservadores; caso contrário, receberá críticas ferrenhas dos movimentos em prol da diversidade sexual.
A grande questão, são as implicações desta decisão. Caso a escola resolva colocar na sua biblioteca um livro infantil com temática gay, ou contratar um professor assumidamente homossexual, precisará de flexibilidade para lidar com as consequências. "