O seminário “Contando Infrações: A Produção de Dados sobre os Adolescentes em Conflito com a Lei”, realizado entre os dias 9 e 10 de dezembro, no Auditório Professor Manoel Maurício de Albuquerque, no campus da UFRJ na Praia Vermelha, debateu a relação existente entre sociedade civil, crianças e adolescentes em conflito com a lei e os órgãos de Segurança Pública no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. Os especialistas discutiram a adoção de medidas socioeducativas como alternativas para ressocializar o jovem infrator e protegê-lo dos perigos aos quais se encontra exposto nas ruas e, muitas vezes, até em suas próprias casas. De maneira geral, de acordo com os palestrantes, não há preocupação efetiva das autoridades em traçar um perfil desses indivíduos, o que causa um direcionamento de práticas genéricas e pouco eficientes de caráter, essencialmente, punitivo.
A principal evidência desta realidade é a dificuldade de acesso aos dados oficiais encontrada por estudiosos da área. Michel Misse, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Necvu), vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, destaca a importância da história da produção estatística da criminalidade. João Trajano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LAV-Uerj), alerta que esta produção é concebida a custos relativamente altos em institutos de pesquisa, contrapondo-se à baixa produtividade das agências responsáveis que despenderiam pouco gasto para tal. Para descobrir como aliar a produção acadêmica e políticas de Segurança Pública, o Olhar Virtual entrevistou Michel Misse e João Trajano.
Michel Misse,
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ
“Eu tenho dados estatísticos da Segunda Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, antigo Juizado de Menores do Estado da Guanabara, desde 1924. É engraçado pensar que nós, pesquisadores, encontramos mais dificuldade para obter os dados atualizados do que os dados do passado.
Quando estava terminando minha graduação em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, juntei-me a um grupo para apresentar um projeto de pesquisa ao Tribunal de Justiça. Fizemos um levantamento na Praia Vermelha sobre justiça juvenil e delinqüência, vimos que não havia basicamente nenhuma pesquisa sobre o jovem em conflito com a lei, a não ser um estudo não publicado produzido pela Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, um pouquíssimo conhecido estudo publicado em Manaus e outro produzido em Belo Horizonte no meio jurídico. Na área de Ciências Sociais não existia absolutamente nada. A Sociologia nunca havia, simplesmente, abordado este assunto no Brasil.
Nossa segunda surpresa foi identificar que também não havia nenhuma estatística. Então, resolvemos começar por aí. Organizamos as estatísticas e autos infracionais, começando pela década anterior, a de 1960, passando a catalogá-los em bases de dados.
É muito complicado o tal “olhar para frente” sem dar a mínima questão para o que aconteceu no passado. Hoje, ainda se constata esta dificuldade de acesso às estatísticas relativas à Segurança Pública no Estado, principalmente quanto a jovens infratores.”
João Trajano,
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
“Como pesquisadores, temos um financiamento de um ano para realizar estudos dispondo de recursos da Universidade. No entanto, consumimos metade deste tempo tentando chegar aos dados e a outra metade, analisando-os. Quando chega a hora de analisar, chega a hora, também, de entregar o relatório. Esta é a nossa rotina no sistema de justiça criminal como um todo. A gente encontra este tipo de dificuldade no Ministério Público, no judiciário, é generalizado.
O trabalho de pesquisa em Segurança Pública precisa ser rotinizado. Ele não é um trabalho de quebra de paradigma, mas de pesquisa rotineira. Vão-se somando informações ao longo de décadas para gerar acúmulo de massa crítica, do ponto de vista teórico, e angariar informações suficientes para fazer ponderações, avaliações, redefinições de rotas e estratégias pelo lado político-prático.
Este tipo de indigência de informação é gravíssimo pra nós, que estamos na universidade, pois temos como identidade profissional a realização de pesquisa. Mas é ainda mais grave para a política e para a gestão pública, porque os gestores acabam atuando no escuro, sem a menor noção sobre o que está se passando de fato.
Uma das consequências disso, no caso específico de crianças e adolescentes, é o fato de que, embora o modelo de aplicação de medidas não seja punitivo, tendo em tese, a finalidade última de proteger, na verdade, não protege, mas, sim, pune.”