Ilustração: Caio Monteiro |
Depois de cinco dias de movimentação, chegou ao fim o julgamento do caso Isabela Nardoni, assunto principal em quase todos os meios de comunicação do país. Na última semana, diversos jornalistas se aglomeraram em frente ao Fórum de Santana, na capital paulista, onde Alexandre Nardoni e sua mulher, Anna Carolina Jatobá, foram julgados pela morte de Isabela Nardoni, de 5 anos, ocorrida no dia 29 de março de 2008.
Assim que o juiz proferiu a sentença - que os condenou, respectivamente, a 31 e 26 anos de prisão - fogos de artifício e gritos em comemoração foram ouvidos. Veículos de comunicação acompanharam o caso desde os primeiros desdobramentos do caso até o resultado do julgamento. Entrevistas com parentes, amigos, imagens do local e fotos da menina com a mãe ilustraram grande parte das matérias publicadas.
A natureza do crime, que coloca em xeque uma norma padrão da sociedade – um pai é incapaz de matar a própria filha – foi uma das razões, segundo Gabriel Collares, professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), para a grande repercussão do caso, mas não a única. “Crimes hediondos e de violência doméstica acontecem todos os dias e não são noticiados”, afirma o pesquisador, autor da tese “Jornalismo, espetáculo e desvio: violência e criminalidade na imprensa através de estudos de caso”. Isso porque, segundo o docente, “a imprensa no Brasil é aristocrática e reforça o senso comum de que apenas os pobres sentem e cometem violência”.
Para Joaquim Martins, também professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), o público leitor de classe média sente empatia com situações, como as do caso Nardoni, pois pode se ver dentro dela. “Chama atenção, porque a pessoa que consome aquele tipo de mídia pensa: poderia ser meu irmão, meu filho, meu pai”, analisa. Segundo ele, é clara a distinção que a imprensa faz entre as classes sociais. “Na favela isso acontece sempre, todo dia. Então é uma questão mesmo de manipulação, daquilo que vai vender. É o caráter mercadológico da informação”, afirma.
Os professores concordam que a imprensa cobre os casos policiais de maneira sensacionalista. Para Collares, no entanto, a intenção de “manipular, sentenciar e julgar” determinados acontecimentos não se restringe à cobertura policial. São dois fatores, segundo ele, que levam a esse tipo de cobertura: a mercadológica, para aumentar as vendagens, e a ideológica, reforçando “antigos esteriótipos”.
Assim como Collares, Martins acredita que a imprensa é “imediatista, tendenciosa e sensacionalista”. Ele afirma que, ao descontextualizar e superficializar os casos, os veículos não promovem entendimento e debate acerca da situação, do ambiente e das causas do fenômeno da violência. “A matéria por si só pode levar a uma distorção, pois as pessoas vão julgar os fatos somente com aquelas informações que estão ali, naquele momento”, analisa Martins.
“O problema, principalmente no caso do jornal diário, é que não há tempo nem espaço para um debate. Em 40 páginas, o jornal tem que cobrir todos os assuntos”, afirma Martins. A revista, segundo ele, teria essa função especifica, mas “existem tantos fatos importantes para relatar que seria preciso uma seleção e, assim, seleciona-se aquilo que vende mais, que é do interesse do veículo. E volta-se ao mesmo debate, pois o que vende mais é sempre mais emotivo”.
Já Collares acredita que, pelo fato de o jornal impresso diário ter perdido a capacidade do “furo” (exclusividade da reportagem) para outras mídias, como a internet e a televisão, seria sua função “aprofundar e promover debates”. Os dois concordam, no entanto, que promover tais discussões é um esforço conjunto da população, dos jornalistas e dos próprios jornais. “A pluralidade maior de veículos de comunicação daria outra visão ao leitor, ouvinte, telespectador e, assim, ele poderia formar seu próprio juízo de valor, mas a população tem que sair da inércia e reivindicar um jornalismo melhor”, afirma Collares.
É preciso resgatar a função social do jornalista, acredita Martins. “O jornalismo tem a função de atender a sociedade como um todo, estratificada da forma como ela for”. Para ele, essa manipulação e forma de abordagem da grande imprensa na cobertura de segurança pública acontecem em razão da classe social em que se situam os próprios jornalistas. “É muito difícil você ver alguém da favela que conseguiu fazer jornalismo. Então os jornalistas só escrevem para si mesmo, para sua classe, e não para sociedade como um todo”, analisa.
Instinto humano
Freud, em O mal estar da civilização, explica a necessidade humana instintiva e natural - reprimida pelo convívio em sociedade – da agressividade e violência. Para Collares, o sensacionalismo supre essa vontade. “A própria sociedade sabe que em alguns momentos é preciso ter válvula de escape. Esse tipo de cobertura midiática promove uma satisfação simbólica dos instintos”, elucida.
Para Martins, a cobertura que explora as emoções humanas funciona como uma catarse. “A pessoa tem raiva do governo federal, do chefe, do vizinho e não pode fazer nada. A partir do momento que vê aquela violência, você coloca toda essa energia e essa raiva naquela situação”. O número de pessoas em frente ao fórum, no caso Nardoni, segundo ele, é um exemplo disso. “Pessoas que não tinham nada a ver com o caso ou com a família foram lá e bradavam por justiça”.
A solução não é o fim da imprensa imediatista ou popularesca, acredita Collares, mas uma busca e cobrança pela diversidade cada vez maior dos meios de comunicação. “Nós não devemos pregar o fim desse tipo de mídia, que faz parte, é importante. O que precisamos, com certeza, é uma visão mais ampliada sobre os fatos. E isso só será possível quando tivermos várias fontes diferentes de informação”, conclui Collares.