As taxas de juros no Brasil encontram-se entre as mais altas do mundo e, apesar disso, o consumidor não se cansa de contrair empréstimos. Além de outras coisas, isso demonstra a desinformação de grande parcela da população, muitas vezes ela prefere pagar o triplo do valor do produto em troca de poder pagar em prestações inacabáveis.
Há uma crença simplista de que as taxas de juros servem, exclusivamente, para conter a inflação. No entanto, esta medida restringe o consumo e, conseqüentemente, desacelera a produção — pelo encarecimento do capital de giro e pelo desestímulo a investimentos na ampliação e modernização do setor produtivo.
O financiamento da casa própria, por exemplo, sempre foi rodeado de mitos e exige maiores cuidados e investimentos das instituições públicas e privadas, visto que o país tem, hoje, um déficit de, aproximadamente, sete milhões de unidades habitacionais. O curioso é a maior parte dos recursos de financiamento não ser direcionada para o segmento mais necessitado; muitas vezes, essas pessoas não têm renda suficiente para assumir as prestações.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Fernando Cardim, professor do Instituto de Economia da UFRJ, elucidou a questão dos juros e do setor financeiro do país. Confira.
A Caixa Econômica Federal ampliou de 20 para 30 anos o prazo máximo para financiamento da casa própria. Que fatores econômicos levaram a esse aumento de crédito?
O controle da inflação, a partir de 1994, eliminou um dos grandes, apesar de não único, fatores de incerteza com relação ao futuro. Nós ainda sofremos grandes incertezas geradas pela economia internacional, como agora, com tantas turbulências acumuladas no horizonte. No entanto, geralmente a inflação muito alta impede tanto as pessoas, quanto as empresas e as instituições financeiras de pensar a longo prazo.
Muitas críticas são feitas ao financiamento da casa própria. Em geral, quanto mais o mutuário paga, mais cresce o saldo devedor aumenta. Como você analisa os financiamentos de imóveis pelos bancos no país? Há ilegalidades na cobrança desses juros?
Não é uma questão de ilegalidade, é uma questão do comportamento da taxa de juros em relação à renda das pessoas. Nem sempre o mutuário entende as características das obrigações assumidas quando se endivida. No Brasil, as pessoas estão acostumadas a pensar no valor da prestação, não pensam nas taxas de juros, em suas variações previstas nos contratos e acabam se surpreendendo quando os valores devidos crescem mais depressa que sua renda.
Segundo matéria do jornal O Globo, o Brasil se mantém em segundo lugar no ranking dos maiores juros do planeta. O que explica esse fenômeno?
São muitos os fatores. Nosso setor financeiro é oligopolizado, tem poucas instituições (poderosas) ditando regras em vários segmentos do mercado. Há também uma questão de risco: o índice de inadimplência ainda é alto, muito influenciado pelas condições macroeconômicas, nem sempre favoráveis. Finalmente, o Banco Central contribui decisivamente para isso, ao manter as taxas básicas de juros excessivamente altas.
De acordo com o Banco Central (BC), dez instituições controlam mais de 80% do crédito no Brasil. Alguns economistas aconselham a colocação de uma barreira que poderia ser colocada à concentração, seria a de transferir a análise das fusões e aquisições bancárias do BC para o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade). Essa seria uma solução para diminuir as taxas de juros (abusivas) do país?
Isso não resolveria. Os bancos sempre existirão em quantidades limitadas e as condições de operação de uma instituição desse tipo inviabilizam pequenas iniciativas. Quanto a isso, não há nada que o Cade possa fazer. A concorrência deve vir de fora do sistema bancário privado: bancos públicos (hoje, no país, bancos como o Banco do Brasil se comportam como bancos privados) e, principalmente, iniciativas nos mercados de capitais. No entanto, isso exige uma intervenção reformista mais ativa do governo, mais do que ele tem feito até agora.