A volta do investimento das empresas públicas no Setor Elétrico Brasleiro (SEB) é recente, começou a se dar em 2003, quando percebeu-se que o setor elétrico nacional não funcionava apenas à base de investimentos privados, direcionados mais à lucratividade do que à capacidade de desenvolvimento e expansão do setor.
A partir dos resquícios da crise do apagão, do ano de 2001, o governo teve que estabelecer uma estratégia de reestruturação do SEB. Optou-se, então, após o período de intensas privatizações, por uma maior participação dos agentes públicos, através de um modelo de parceira entre empresas públicas e empresas nacionais privadas. São essas parceiras que o professor Nivalde Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL), do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, aponta como um fator propiciador do desenvolvimento do Setor Elétrico Brasileiro.
“O modelo de privatização, implantando no Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com o marco do ano de 1990 - quando é lançado o Programa Nacional de Desetatização – apresentava uma série de deficiências e equívocos na formulação de seus fundamentos. As principais falhas da adoção desse modelo para o setor elétrico, que ficaram evidentes com a crise do apagão, em 2001, podem ser sintetizadas em dois aspectos importantes: a falta de planejamento e a restrição de investimento das empresas públicas.
O modelo de privatização pura não levava em consideração a questão do planejamento, que até 1990 era realizado pelo setor público, Eletrobrás e Ministério. Planejar o setor elétrico fica sob responsabilidade das empresas privadas, que não têm preocupação com planejamento, até pela sua lógica de funcionamento, muito mais voltada para a lucratividade. O segundo fator que evidencia a falha do modelo de privatização para o SEB foi a restrição do investimento das empresas públicas, como Eletrobrás e suas subsidiárias. Com as evidências de que o grupo Eletrobrás seria privatizado, cessou o estímulo para os investimentos por parte das empresas públicas.
A causa maior para o não-investimento público foi a ideologia neoliberal, implantada nos países em desenvolvimento, como uma condição para a liberação de empréstimos.
Nos anos 80, endividados pela facilidade de tomada de empréstimos externos - derivada dos eurodólares e das baixas taxas de juros do mercado financeiro internacional -, os países em desenvolvimento enfrentaram uma crise de pagamento de suas dívidas, que resultou na restrição de empréstimos pelo mercado financeiro internacional. Diante do quadro de endividamento, e com o argumento de que o Estado não tinha mais capacidade para investir, a solução proposta foi intensificar o liberalismo das políticas econômicas ao máximo, facilitando o investimento do capital privado.
Este é um fenômeno que acontece na América Latina como um todo. Todas as empresas de telefonia, petróleo, energia elétrica, são privatizadas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) só concedia empréstimo para reequilibrar o balanço de pagamento dos países (chamado empréstimo ponte), se eles aceitassem a política econômica de diminuição do gasto público. Esta política exógena, ou seja, que vem de fora para resolver um problema de desequilíbrio das finanças públicas, acaba por acarretar um problema maior para o Brasil: a crise do apagão de 2001.
A partir de 2003, principalmente, tem-se um esforço do novo governo no sentido de reestruturar o setor elétrico. Não se podia seguir na linha de privatização pura, que já havia se mostrado como um caminho errado, assim como não havia mais condição de retornar ao modelo de investimento público, porque já existia uma estrutura minimamente montada.
Uma solução para este impasse mostrou-se na lógica das parcerias entre empresas públicas e privadas, possíveis no governo Lula, em que o neoliberalismo não é uma prioridade. Onde o setor privado não se interessar, as empresas públicas, que são a base do setor elétrico brasileiro (quase 60% da base produtiva geradora instalada está nas mãos do grupo Eletrobrás), podem entrar com capital, conhecimento, experiência. Então, a hipótese que defendemos, e que tem se mostrado favorável pelas evidências empíricas, é a de que os novos investimentos possam ser feitos com parceria público-privada.
Outro fator positivo da participação das empresas públicas no SEB é que elas podem ajudar na busca de modicidade tarifária (tarifas mais baratas), participando dos leilões do setor elétrico, dos quais ficavam restritas por causa da lógica privatista. Além de manter as tarifas nos níveis mais baixos o possível, o setor público ainda estimula a competitividade e a participação de empresas nacionais (no caso dos leiloes de linha de transmissão) no SEB, que, sozinhas, muitas vezes não tinham capacidade para concorrerem com as empresas estrangeiras”.