Durante toda a última semana, os olhos do Brasil e da mídia estiveram voltados para um pequeno apartamento em Santo André, no ABC paulista, onde ocorria mais um caso de seqüestro televisionado. Lindemberg Alves, 22 anos, fazia refém sua ex-namorada, Eloá, e sua amiga, Nayara, ambas de apenas 15 anos. O caso terminou com as garotas baleadas, a morte de Eloá e o seqüestrador preso na tarde de sexta, dia 17. Foi o mais longo seqüestro em cárcere privado da história de São Paulo e também motivo de recordes de audiência para muitas emissoras de TV que o transmitiam em tempo real para milhares de espectadores aflitos.
Casos como este, com grande participação da mídia, não são novidades. Em 2000, no Rio de Janeiro, o famoso seqüestro do ônibus 174, que virou até filme, durou quase 5 horas nas quais dezenas de repórteres cercaram o local, munidos de suas câmeras e equipamentos. Também o seqüestro do apresentador do SBT e empresário, Sílvio Santos, mantido refém em sua casa por mais de 7 horas, em 2001, teve grande repercussão. O episódio foi televisionado por quase todas as emissoras brasileiras que interromperam sua programação para acompanhar a história, alcançando altos índices de audiência. Sobre a cobertura da mídia nestes casos Joaquim Welley Martins, jornalista e professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) especializado em Direito, disse que “existe muito sensacionalismo e uma grande espetacularização de uma situação. A forma como é repassada a informação desses seqüestros perde a função de informar e acaba ganhando a função de espetacularizar”.
Conforme se prolongam os cárceres, mais atenção a mídia provê à situação. No segundo dia do seqüestro em Santo André, as emissoras de TV iniciaram uma verdadeira guerra por ibope, na qual seus repórteres começaram a ligar para o celular do seqüestrador e entrevistá-lo ao vivo, em rede nacional, sem nenhum pedido ou autorização para tal. Segundo Welley, isso de deve ao fato de vivermos em um espaço publicitário onde a mídia, inclusive os telejornais, se preocupa em ganhar cada vez mais espaço.
O jornalista Luiz Guerra do programa da Rede Tv! “A tarde é sua”, de Sônia Abrão, foi um dos que manteve contato direto por telefone com o seqüestrador. Esta atitude tem causado muita polêmica, pois especialistas como psiquiatras e o próprio negociador da polícia afirmam que intervenções como esta podem ter indiretamente causado o final trágico, pois deixaram o seqüestrador ainda mais pressionado e, ao mesmo tempo, sentindo-se grandioso.
“Este programa da Sônia Abrão é um programa de variedades, que precisa de publicidade e por isso usou a situação como um chamariz”, opinou Joaquim que atribui ao Ministério Público, ao Ministério das Comunicações, ao sindicato dos jornalistas e à Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a responsabilidade de verificar o ocorrido e aplicar uma possível punição.
— Em mídia televisiva não é comum a punição, acontece mais em mídia impressa quando uma matéria causa algum dano à imagem, à idolatria ou à honra de alguém ou alguma instituição. Um exemplo é o caso da Escola Base — disse Welley se referindo ao episódio, de março de 1994, em que vários veículos da imprensa publicaram uma série reportagens sobre abuso sexual de crianças por funcionários da Escola Base, em São Paulo, sem provas ou apuração suficiente. A divulgação do caso levou à depredação e fechamento da escola que teve seus donos presos. Sem nenhuma prova no inquérito policial e sem indícios de que a denúncia fosse verdadeira, os órgãos de imprensa, bem como o governo do Estado, foram condenados.
Esta questão da mídia espetacularizada traz reflexões sobre até que ponto ela cumpre seu papel de informar e até que ponto ela interfere negativamente nas situações. “A liberdade de imprensa e a responsabilidade social do jornalista deveriam conviver de forma equilibrada e toda vez que houvesse um excesso deveria ser tomada uma medida. Mas, na maioria dos casos, existe uma conivência” disse Joaquim, que vê por trás da não punição uma disputa de interesses. “De repente o governo não quer que determinadas coisas sejam tornadas públicas e incentivam essa espetacularização. Já os meios de comunicação querem vender mais espaço e a sociedade não reclama, não se posiciona em relação ao que deve ser informado realmente e fica querendo ver show. Cria-se um ciclo vicioso onde imperam a conveniência e conivência”.
Sobre a superexposição da violência na mídia, o jornalista acredita que pode acabar por incitar mais violência. “Se as pessoas vêem uma situação como essa, em que durante uma semana o rapaz mantém refém a ex-namorada, e vêem a inoperância e a falta de tato e competência técnica da polícia, as pessoas começam a achar que também pode acontecer com elas e são incentivadas a fazer coisa igual ou pior. Como falou Andy Warhol, todos querem os seus 15 minutos de fama”.
— A mídia fez seu papel, mas de forma equivocada, de modo que outras informações e assuntos, que interessariam mais à sociedade do que essa catástrofe, foram deixados de lado. A notícia foi tratada nos telejornais, na Ana Maria Braga, em outros programas da manhã, em diversos formatos que não o jornalístico. E todos repetiam a mesma coisa — disse Welley criticando a atuação das emissoras no caso de Santo André.
Na visão do jornalista, os veículos de comunicação deveriam se limitar a informar os dados relativos ou relacionados ao fato, sem enfeitar as notícias com elementos emocionais e apelativos. “Cada vez mais, reiteradamente, são apresentadas matérias que começam com 5 minutos e desenvolvem para vários blocos inteiros sobre o mesmo assunto. Será que não existem outras coisas acontecendo?” questiona.
O professor aponta para a importância de uma ética profissional por parte dos jornalistas que devem ter consciência da real função social de sua atividade profissional: informar. Segundo ele, para que esse papel seja melhor desempenhado, sem ficar a mercê da lógica comercial, os veículos de comunicação devem ser administrados por pessoas de conduta ética e de formação profissional. Para o jornalista, a sociedade também deve cumprir sua parte, “buscar o que é realmente de seu interesse e forçar os meios de comunicação a mostrar o que é de interesse social e não o que os veículos de comunicação apontam como interesse dela”.
Deixando um alerta, Joaquim Welley disse: “Nós, jornalistas, temos que estar atentos, nós que somos pauteiros e editores devemos prestar atenção na condição da mídia que virou espetáculo. Hoje a informação é usada para vender algo nos intervalos do telejornal e nos espaços do jornal. Espero que as pessoas peguem essa experiência nefasta para aprender e melhorar a sua conduta, seja jornalística, da sociedade como um todo ou do Estado.”