Este livro, oportuna e cuidadosamente organizado por Leonarda Musumeci, reúne sete artigos sobre movimentos messiânicos e milenaristas, alguns acontecimentos no século XIX e outros em tempos bem mais recentes, cinco deles no Brasil e dois na Argentina.
Apresentando a coletânea aos seus leitores, Leonarda Musumeci lembra que, nos anos 1960 e 1970, escrever sobre o messianismo significava principalmente buscar suas “causas” e determinantes socioeconômicas. De maneira geral, havia um pressuposto mais ou menos explícito que opunha o arcaísmo ineficaz da religião à racionalidade eficaz da política. No caso brasileiro, por meio dos estudos sobre messianismo e milenarismo, as ciências sociais se revelam herdeiras de uma tradição que vincula, de maneira unívoca, a vida pública à esfera política e ao drama da nação.
De lá para cá, mudaram as indagações e as abordagens. Se é verdade que o tema em si entrou em um certo recesso, o tempo fez alargar o interesse pelos contextos particulares e pela forma como os personagens envolvidos definem a própria ação. Menos do que entender a “crise social” que faz eclodir movimentos messiânicos e milenaristas, busca-se cada vez mais compreender os sentidos, os significados, as razoes e as emoções que têm levado homens e mulheres a modificarem o curso de suas vidas e se entregarem a esperanças que justifiquem a vida e, muitas vezes, podem levá-lo à morte.
Os autores deste livro, direta ou indiretamente, demonstram que não há como apreender a historicidade dos sistemas religiosos sem inseri-los na racionalidade construída na modernidade. Ou seja, além de atentarem para as múltiplas relações entre religiosidade e instituições religiosas, não retificam a oposição entre “o político” (que seria externo ao mundo simbólico) e “o religioso” (enquanto locus simbólico produtor de múltiplos significados).
Isto não quer dizer que todos os artigos rezem na mesma cartilha metodológica, comungando um mesmo paradigma teórico. A diversidade das situações descritas, das indagações que suscitam, dos caminhos das pesquisas realizadas e das escolhas de referências teóricas utilizadas é um dos pontos fortes deste livro.
Contudo, para além da diversidade de objetos e abordagens, o mérito deste livro é apresentá-los em conjunto. Reunidos, os casos estudados nos obrigam a refletir e impõem uma importante pergunta. O que há em comum entre os Mucker do Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX, os seguidores de um profeta milenarista nos primórdios da independência Argentina, os participantes do movimento da serra do Rodeador do Nordeste brasileiro, viventes no início do século XIX e, por outro lado, os nossos contemporâneos que na Argentina esperam o retorno do rei Inca, que no Planalto Central do Brasil constroem a Fraternidade Eclética Espiritualista Universal e o Vale do Amanhecer e, finalmente, que no Juazeiro do Norte são os penitentes Ave de Jesus?
Respostas, diretas e indiretas, para esta questão aparecem em várias passagens deste livro. O certo é que não se inventa a vida sem reinventar esperanças e utopias. Isto, através de várias linguagens e de diferentes modalidades, às vezes mais especulativas, outras vezes mais concretas.
Organizadora: Leonarda Musumeci
Editora UFRJ
Ano: 2004