Aliados do governo Lula e membros da oposição estiveram imersos, nestes últimos meses, na questão da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Desde as primeiras manifestações exigindo o fim do tributo, passando pela votação no Parlamento, até o debate a respeito de qual a melhor saída para compensar a perda dos R$ 40 bilhões arrecadados para investimentos na Saúde, lá estiveravam os discursos dos políticos e lá também esteve a mídia. Para analisar qual o papel exercido pela imprensa ao longo das discussões a respeito deste assunto, a equipe do Olhar Virtual procurou Eduardo Maneira, especializado nos setores Tributário e Financeiro, e professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FD-UFRJ).
De acordo com o especialista, quando o assunto era a possível prorrogação do prazo de validade da CPMF, a mídia, de um modo geral, atacava algo mais do que a famosa contribuição que perdera seu caráter de ser provisória. “A crítica se dava em torno da excessiva carga tributária no Brasil, que passou circunstancialmente a ser personificada na CPMF”, afirma. Nesse contexto, Eduardo julga que o discurso jornalístico teve mais simpatia pela oposição e, por isso, deu mais destaque ao que ela exaltava. O professor considera, entretanto, que os argumentos de defesa e de ataque foram igualmente consistentes. Alega, ainda, que “tanto o governo quanto a oposição exerceram os papéis que lhes cabiam e ambos exageraram no exercício de suas funções”.
Enquanto Lula buscava apoio político para garantir a vitória de seus interesses na votação pelo fim do tributo, a imprensa continuava a condenar a atitude do presidente. Eduardo ressalta que os meios de comunicação de massa souberam abordar muito bem os lados negativos da CPMF. “A alíquota de 0,38 era alta e cumulativa – incidia em cascata sobre todas as operações realizadas no ambiente bancário. Outro problema é que essa foi uma contribuição criada para ser provisória, mas se tornou definitiva, foram mais de 14 anos de existência, contando com o período do IPMF. Além do fato de os recursos da CPMF, pensada para resolver a questão da saúde, serem desviados", argumenta. A contestação do especialista diz respeito à ínfima exploração da mídia acerca do que havia de positivo no tributo. “Ele era de grande eficácia e capacidade arrecadatória. Gerava pouco contencioso administrativo e judicial, alcançava uma base muito ampla de contribuintes e era também uma boa ferramenta auxiliar no combate à sonegação”, detalha. Eduardo julga que o governo errou na avaliação política. “Deveria ter negociado mais. Se baixasse a alíquota para 0,30, conseguiria aprovar. Não o fez e perdeu tudo”. Entretanto, firmado o fim da CPMF, o professor avalia que Lula e seus aliados agiram corretamente, embora o discurso da mídia seja ríspido neste ponto.
– O presidente falhou em dizer que não iria aumentar os tributos e os jornalistas fizeram sua parte em expor isso. Mas, tendo que aumentar, o governo soube mexer onde deveria: na CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), e no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Este último, porque pode ter suas alíquotas alteradas por decreto, e está excepcionado do princípio da anterioridade, isto é, seu aumento pode ter vigência imediata. A CSLL, porque é uma contribuição cujo aumento pode valer após 90 dias da publicação da Medida Provisória, e considero que Lula elegeu corretamente o setor financeiro para arcar com este ônus – explica Eduardo.
Para o especialista, há ainda um principal elemento que torna a escolha da CSLL mais adequada. Ele esclarece que “Em princípio, não deveria haver repasse dos custos dos bancos (gerados a partir deste tributo) para seus clientes, ao contrário do que ocorre necessariamente quando se aumenta impostos sobre o consumo, tal como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços(ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Este é um ponto que não foi abordado pela mídia e, quando o foi, se deu de modo incompleto, pois mostrou apenas o desgaste político da decisão”. Eduardo explicita, também, que dificilmente será declarada a inconstitucionalidade das medidas do governo em relação à CSLL e ao IOF.
Outra questão que deveria ser explorada pela imprensa, segundo o professor, foram duas omissões nos discursos de Lula e de seus aliados em defesa da CPMF. “A primeira é que a arrecadação aumentou muito nos últimos anos e, portanto, não haveria tanta dificuldade para compensar a falta da CPMF. A segunda, pouco explorada pela mídia, é que o governo não consegue gastar todo o dinheiro empenhado no seu orçamento – nem mesmo no do Ministério da Saúde –, de modo que a CPMF não poderia fazer tanta falta como o alegado”. Por fim, Eduardo relembra as várias reportagens em revistas, jornais, entre outros, que tratavam a repercussão da CPMF sobre os preços dos produtos. “Agora, com o seu fim, os tais objetos de consumo tiveram seus preços reduzidos? Acho que não. Qual a explicação do setor produtivo para isto?”, indaga.