Entrelinhas

Imprensa carioca: o pioneirismo do Rio de Janeiro
nos anos 50



Monique Pereira

capa do livro

Agora é possível rememorar a imprensa carioca da década de 1950, com o lançamento do livro Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950 de Ana Paula Goulart Ribeiro — coordenadora do curso de Jornalismo da UFRJ e editora da revista ECO-PÓS da Escola de Comunicação. A obra aborda as transformações consideradas decisivas para o desenvolvimento do jornalismo no Brasil durante a metade do século XX, valorizando aspectos específicos e pouco divulgados sobre a imprensa da época. Em entrevista para o Olhar Virtual, Ana Paula G. Ribeiro, conta como foi o projeto para confecção do livro e qual o significado do resultado da pesquisa para ela.

Olhar Virtual: Por que os anos de 1950? O que estava acontecendo de interessante na imprensa do Rio de Janeiro na época?

A década de 1950 é considerada pela historiografia da imprensa no Brasil, e até mesmo pela memória dos jornalistas de gerações mais antigas, um marco na história do jornalismo brasileiro. Foi um período de transformações profundas e radicais em vários aspectos de produção da imprensa. Tanto a vertente empresarial do jornalismo, como o modelo redacional norte-americano, passaram a ser adotados pela imprensa brasileira em 1950. Mudou inclusive o aspecto de profissionalização desse campo, que antes era muito mais disperso, com a criação das faculdades de Jornalismo no Brasil e o próprio surgimento de um conjunto de valores que sustentam a maneira do jornalista pensar e atribuir sentido a sua profissão, o que marca uma maneira mais contemporânea e moderna de se fazer Jornalismo. Eu sempre quis estudar os anos 50, porque me interessei em tentar entender e perceber mais profundamente o que significavam essas transformações, o sentido que elas tinham. Se realmente havia uma ruptura radical com o Jornalismo da primeira metade do século XX ou se algumas continuidades ainda permaneciam intactas.

Olhar Virtual: Qual a intenção em expor essa faceta do Rio de Janeiro em um livro?

Na verdade o trabalho do livro é sobre a imprensa do Rio de Janeiro, no entanto ele é mais pretensioso do que isso. Escolhi a imprensa carioca porque ela foi pioneira nesse processo. Porém esse momento de transformações aconteceu na imprensa como um todo: começou de forma localizada e logo se expandiu para a grande imprensa do Brasil. Mas o Rio de Janeiro é de fato emblemático, como disseminador do modelo jornalístico que predominou no país da década de 1950 em diante.

Olhar Virtual: Alguns autores dizem que relacionar imprensa e história não é muito difícil, já que uma especialidade entremeia a outra. Houve alguma complicação para montar esse paralelo ou realmente foi simples?

Definitivamente não é fácil. Esse livro é resultado da minha tese de doutorado, portanto foram anos de pesquisa para sua realização. Passei cerca de dois anos e meio somente coletando informações com o apoio de três auxiliares de pesquisa na apuração de dados, em uma época que ainda não havia tanto acesso à informatização, tudo era escrito à mão. Reunimos uma vasta quantidade de informações, inclusive entrevistas com pessoas que viveram essa época, o que contribuiu muito para o desenvolvimento da pesquisa. Cruzar essas fontes foi um trabalho árduo, porque quando as pessoas rememoram, a tendência é tornar tudo muito fantasioso. Essa fase da imprensa é muito mítica, portanto a maioria dos profissionais que estavam inseridos nesse contexto possuía um discurso romantizado sobre o período. Na verdade, a intenção foi confrontar essa visão deslumbrada com o lado realista dos fatos, como a manutenção da simbiose entre jornalismo e política, por exemplo.

Olhar Virtual: Algum dado ou constatação da pesquisa para confecção do livro lhe surpreendeu?

É comum que existam aspectos específicos inimagináveis previamente em uma pesquisa. Gostei muito da pesquisa em geral, porém a parte que considero significativa em contribuição ao estudo é a seção que trabalha a dimensão empresarial do jornalismo. Quando se fala em jornal, geralmente se remete à análise textual e à função do jornalista. Entender como funciona a dinâmica empresarial do jornalismo é complicado por ser um assunto pouco abordado e pela dificuldade imposta pelas próprias empresas do ramo, que no geral não querem revelar seus envolvimentos. Foi a parte da pesquisa que deu mais trabalho, porém a que mais me orgulho, porque implica em publicar novidades sobre o que acontecia na imprensa de 1950.

Olhar Virtual: Muitos fatores da imprensa do passado, no caso dos anos 50, se refletem na imprensa atual ou as relações mudaram desde então?

O modelo implementado na imprensa da década de 1950 predominou no Brasil durante muito tempo. Acho que hoje vivemos outro momento de transformação, igual ou mais profundo que o ocorrido na metade do século XX. Esse padrão baseado no jornalismo norte-americano e ligado à objetividade, a meu ver, se esgotou um pouco. Isso acabou acontecendo devido a limitações internas do próprio modelo e também porque já não atendia mais à nova conjuntura de comunicação e mídia atuais, extremamente diferentes da realidade dos anos 50. Não sei definir ainda que Jornalismo é esse. Ele está em processo de mudança, principalmente o impresso, em meio a experimentações que respondam a uma crise do modelo adotado na década de 1950, nos dias de hoje.