Ilustração: Caio Monteiro |
O Brasil é considerado, por diversos organismos internacionais, um país com alto índice de corrupção. Casos de desvio de verbas, de improbidade administrativa e de mau uso da máquina pública são, com frequência, manchetes de jornais, revistas e telejornais e revoltam boa parte da população brasileira.
Mas, no último dia 5 de maio, o país deu um importante passo para o combate à corrupção nas esferas governamentais. Isso porque, por 388 votos a um, a Câmara dos Deputados aprovou o texto principal do projeto de lei que proíbe a candidatura de políticos condenados por decisão colegiada da Justiça (ou seja, por mais de um juiz).
Caso seja aprovado pelo Senado, o Projeto Ficha Limpa, como ficou conhecido, evitará que indivíduos condenados por homicídio, tráfico de drogas, racismo, estupro e desvio de verbas se candidatem e cheguem a altos cargos da administração do país.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Susana de Castro, professora da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, fala sobre o projeto, comenta a importância da mobilização popular que o levou até a Câmara e aponta novos planos a serem executados no caminho do combate à corrupção brasileira. Confira.
Olhar Virtual: Qual a sua opinião sobre o Projeto Ficha Limpa?
Susana de Castro: Sou extremamente favorável. Como diz o velho dito popular ”é preciso cortar o mal pela raiz”. O projeto de lei de iniciativa popular Ficha Limpa que almeja alterar a Lei das Inelegibilidades, acrescentando o critério que impede a candidatura de políticos com débito na Justiça contribui certamente para o fortalecimento das instituições democráticas e para o combate à corrupção. O momento para a aprovação desse Projeto de Lei é bastante oportuno, pois estamos no final deste ano indo às urnas votar em nossos candidatos a presidente da República, senador(a), governador(a) e deputado(a) estadual.
Certamente, hoje em dia, as atuações dos deputados e senadores no Congresso Nacional estão mais visíveis à opinião pública e os eleitores saberão qual partido ou qual deputado foi, ou não, favorável à aprovação desse PL, o que pode repercutir nas urnas.
Olhar Virtual: O impedimento da candidatura de políticos condenados por crimes graves pode, de fato, diminuir a corrupção no Brasil?
Susana de Castro: Sim, mas precisamos inserir o PL Ficha Limpa no contexto maior de reforma política. O fato isolado de o(a) candidato(a) eleito ter ficha limpa não é, em si, uma garantia absoluta de que caso seja eleito, ele ou ela não usará a máquina pública a serviço de interesses pessoais. É preciso que outros fatores legais atuem de maneira a impedir as práticas de fisiologismo, patrimonialismo, clientelismo e, por que não dizer, de patriarcalismo na política brasileira. Enquanto a cultura política do favorecimento privado não for varrida de Brasília, não teremos um congresso verdadeiramente limpo. Uma ação isolada não vai ser suficiente. É extremamente necessário aprovar, por exemplo, mecanismos de controle do financiamento das campanhas eleitorais. A ingerência da esfera corporativa privada na esfera política pública começa justamente na hora do financiamento eleitoral, quando são feitos nos bastidores da campanha “negociatas” que conduzirão fatalmente ao mau emprego das verbas públicas. Essas “negociatas” refletirão, por exemplo, na votação do orçamento nacional, momento crucial para a sociedade como um todo. Até hoje, não tivemos um orçamento que colocasse os interesses da economia a serviço do Estado, mas sempre o inverso. Impedir o fisiologismo eleitoral é uma maneira de garantir nossa aproximação da utopia de um Estado mais justo, com políticas públicas que diminuam a gritante desigualdade social brasileira.
Olhar Virtual: Os crimes previstos para determinar a inelegibilidade do candidato são homicídio, racismo, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. Outros devem ser acrescentados? O projeto precisa de correções?
Susana de Castro: Penso que o crime ambiental e a violência doméstica também deveriam estar elencados.
Olhar Virtual: O projeto Ficha Limpa foi apresentado no ano passado por iniciativa popular com 1,6 milhão de assinaturas. O que isso mostra sobre o povo brasileiro? Estamos avançando em termos de conscientização popular?
Susana de Castro: A sociedade civil mostrou sua capacidade de mobilização quando aderiu à campanha Ficha Limpa iniciada pela organização não governamental Movimento de Combate à Corrupção (MCCE). Em dois anos de campanha (iniciada em abril de 2008), o MCCE conseguiu reunir 1,6 milhão de assinaturas (o equivalente a 1% do eleitorado). Essa ação civil demonstra, a meu ver, que a sociedade está disposta a interferir mais diretamente nos processos decisórios.
No entanto, há muito ainda a ser feito nesse sentido. A participação direta de um maior número de cidadãos brasileiros está vinculada ao nível de escolaridade e de condições de vida da população brasileira. Uma população educada e assistida materialmente está em melhores condições para avaliar as propostas partidárias na hora de escolher seus candidatos e para participar diretamente do controle social da política nacional. O Congresso que temos hoje é fruto de práticas de clientelismo, de abuso de poder financeiro e da falta de informação da população. Ao criarmos mecanismos de combate a essas práticas, estaremos fortalecendo os artigos da nossa constituição democrática que preveem igualdade irrestrita de direitos a todos os cidadãos.
Olhar Virtual: Que outros projetos podem ser pensados para o combate à corrupção e para o fortalecimento da democracia?
Susana de Castro: Há uma questão que a sociedade civil também deveria estar atenta: a questão da imunidade parlamentar. Penso que o MCCE poderia promover um grande debate público sobre os prós e contras da imunidade. Para mim, não está claro se ela não é um incentivo às práticas ilícitas dos políticos eleitos.