O que faz uma pessoa recorrer a um ato extremo como o suicídio? Essa é a pergunta feita por algumas pessoas que tentam entender razões de alguém a chegar a esse ponto.
Estudioso do assunto, Rogério Lustosa, professor da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), lançou o livro Suicídio – estudo psicossocial, no qual analisa os diferentes graus de suicidas, as causas e os tratamentos preventivos, entre outros pontos. Em entrevista para o Olhar Virtual, o professor fala sobre o seu livro e tira algumas dúvidas sobre essa temática.
Olhar Virtual: Por que são tão raros estudos acadêmicos sobre o suicídio?
Eles não são necessariamente raros, quer dizer, considerando que o estudo sobre o suicídio localiza-se na área de tanatologia (que fala de estudos sobre a morte ou sobre a finitude), neste particular, há aqui um detalhe peculiar: existem trabalhos desenvolvidos nessa área tanto em países em que a incidência de suicídio é maior (como é o caso da Alemanha), quanto em países de incidência menor (como é o caso do Brasil), ou seja, como dizíamos, existem trabalhos produzidos na área de suicidologia com sua contribuição junto à sociedade, mas há uma certa dificuldade em divulgá-los de forma eficaz para o grande público. No nosso país, por exemplo, atualmente, o Ministério da Saúde tem uma particular preocupação com a questão do suicídio e está realizando ações para que a taxa não ganhe caráter ascendente. Isto quase não ganha espaço na grande mídia. Refiro-me particularmente ao fato de problematizar um debate que não se reduza à linguagem dos especialistas, à linguagem sensacionalista ou à de “auto-ajuda”. A razão do silêncio, em última instância, não é a falta de ajuda da mídia, mas sim devida ao fato de que há um grande preconceito em lidarmos com a morte, quiçá com sua própria morte. Tal preconceito pode ser visto através de pesquisas, como a de Áries (História da morte no ocidente), que indica que sob a égide da sociedade atual, não se pode falar na morte, exceto em lugares permitidos (hospitais, necrotérios, igrejas) e apenas por especialistas (médicos, psicólogos, padres etc.). Enfim, é como se ela não existisse, pois devemos viver para “aproveitar a vida”, a qual, apesar de ter sentidos múltiplos, aqui é reduzida apenas ao sentido considerado padrão do mercado que segue valores do curto prazo.
Olhar Virtual: Quando surgiu a idéia de escrever sobre o suicídio e como foi todo o processo de pesquisa para o livro?
Além de coordenar e fazer pesquisa no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Tanatologia e Subjetividade (NEPTS/UFRJ), em 2005, embarquei para a Alemanha para que, pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Colônia, desenvolvesse uma pesquisa sobre o suicídio. Em contato com uma bibliografia e uma cultura diferente da do Brasil, não só passei a olhar a nossa cultura com olhar diverso, como também tive a idéia de fazer um livro que introduzisse a questão da autodestrutividade para os estudantes de Psicologia, de Serviço Social, para os estudantes de Humanas e áreas afins. Considerando que um dos fatores importantes da área de tanatologia é formar quadros a partir da Graduação, ao retornar ao Brasil, concluí o livro.
Olhar Virtual: Para o senhor quais são os principais motivos para as pessoas cometerem suicídio?
Para falarmos com propriedade sobre um comportamento autodestrutivo, antes de tudo, precisamos observar que cada caso é um fato singular. Não dá para ter “receitas de bolo” diante de tal fenômeno. Mas, em tese, pode-se dizer que há suicídios e suicídios, ou seja, de forma geral, existe a morte de si mesmo que pode ser explicada pela Psicanálise (suicídio auto-agressivo, suicídio narciso), pela Psicologia junguiana (o suicídio tem a ver com um arquétipo para a morte), por Durkheim (o suicídio é causado por determinados fatores sociais: suicídio altruísta, egoísta etc.), por Marx (as contradições sociais e econômicas podem gerá-lo). Enfim, existe, inclusive, uma grande diferença entre alguém que apresentou uma “tentativa de suicídio” e o “suicídio fatal”. Se você conhece uma pessoa que apresentou um comportamento autodestrutivo, se tal pessoa já tentou o suicídio, se é seu parente ou amigo próximo, por favor, sugira que ela busque uma ajuda especializada. Um tratamento para a pessoa, ao contrário do que se pensa, é sinal de crescimento e de grande riqueza humana.
Olhar Virtual: Algumas pessoas dizem que a tentativa de suicídio é uma forma de chamar atenção. O que o senhor diz a respeito disso?
Deve-se dar o devido valor para as tentativas. Nada pior, em termos da prevenção e da terapia junto a tal fenômeno, do que atitudes que superestimem uma tentativa de suicídio ou que a desvalorizem.
Olhar Virtual: Como o senhor explica os graus existentes de suicidas?
Há três graus básicos de autodestruição: os primeiros, por serem graus inconscientes de autodestrutividade, todas as pessoas possuem sem que sejam necessariamente pacientes suicidas. Falamos aqui de fantasias, desejos inconscientes, mas que não necessariamente se manifestam concretamente no dito mundo real de maneira que ponham a nossa vida tão em risco.
Temos ainda os graus intermediários, que se referem ao momento em que a pessoa intenta contra a própria vida e, no mundo concreto ou na realidade social, ela faz uma tentativa de suicídio. Neste instante, tal pessoa precisa se submeter a um tratamento psicológico.
Os últimos graus são aqueles em que a pessoa está firmemente determinada a se matar. Aqui, não só o paciente está com idéias firmes para se autodestruir, como também há grandes chances de ele cometer tal ato. Neste momento, mais do que nunca, a família, a equipe terapêutica (médico, psicoterapeuta de família, terapeuta, assistente social etc.), todos envolvidos com tal paciente, além de estarem integrados em uma “equipe de tratamento”, devem buscar uma estratégia para tentar reverter tal idéia. Em outras palavras, os graus de suicídio fazem parte de uma discussão maior que visa a prevenção, a terapia e ao tratamento da pessoa envolvida.
Olhar Virtual: Qual a principal contribuição da sua publicação?
Oferecer elementos para os profissionais de saúde e áreas afins para que ampliem a visão sobre o tratamento em termos de prevenção e terapia ao paciente suicida. E, sob certos aspectos, o livro trabalha também o tabu da morte de si mesmo, já que ao discutir o suicídio a partir de diferentes visões, aponta que o problema do suicídio, ainda que tenha a ver com uma singularidade, em certos casos tem também relação com a família, com as instituições, com certas culturas. Enfim, para ilustrar pode-se trazer à baila o poeta Maiakóvski, também um suicida, que dizia: “Morrer nesta vida não é difícil, o difícil é a vida e o seu ofício”.