Ilustração: João Rezende |
Agentes da Polícia Civil estiveram, no último dia 13, na Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ. O motivo alegado foi uma denúncia anônima de violação da Lei de Direitos Autorais. Na ocasião, foram apreendidas mais de 200 pastas com artigos acadêmicos, além de textos de autoria dos professores da unidade. Henrique Papa, permissionário do espaço há dez anos, foi detido, indiciado e está sendo recebendo assistência jurídica do Escritório Modelo da Faculdade de Direito (FD) da UFRJ.
Por conta do ocorrido, o Conselho Universitário (Consuni) da UFRJ aprovou resolução que regulamenta o uso educacional de fotocópias de livros e periódicos em seus campi baseado no artigo 207 da Constituição Federal, segundo o qual “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. O Conselho também decidiu pela permissão de reprodução, sem finalidade lucrativa, de trechos, como capítulos de livros e artigos de revistas ou periódicos, mediante solicitação individual e para uso próprio.
Segundo Joaquim Welley, professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e especialista em Direito, “sem a autorização prévia de qualquer reprodução, a pessoa incorre em ilegalidade”. O professor também acredita que a universidade teria que investir mais nos materiais para os alunos. “Para os estudantes que não têm condições financeiras, o correto seria a universidade atualizar periodicamente o acervo”, diz. Para Mavi Rodrigues, diretora da Escola de Serviço Social (ESS-UFRJ), “a UFRJ tem que participar da reforma da Lei dos direitos autorais” e “defender a autonomia universitária”.
A entrada da Polícia Civil na Escola de Serviço Social gerou polêmica quanto à Lei de Direitos Autorais. Como as fotocópias de publicações ferem esses direitos e até que ponto sua proibição prejudica o ensino? A seguir a opinião de Joaquim Welley e Mavi Rodrigues.
Joaquim Welley
Professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ) e especialista em Direito
A lei 9.610 proíbe a utilização sem autorização prévia de qualquer criação intelectual, literária, artística ou científica, logo não poderia reproduzir um livro ou pegar um quadro e copiá-lo por determinação da lei que tem o respaldo no artigo 5º do inciso 27 da Constituição Federal. Então, para reproduzir, tem que ter a autorização prévia do autor ou de quem detém o direito de propriedade. No caso do livro, pode ser a editora, uma galeria de arte em relação a uma obra pictórica, uma gravadora em relação à obra fonográfica ou o produtor em caso de obra audiovisual. Sem a autorização se incorre em ilegalidade por conta do que está na lei. Há também as implicações civis e criminais. A pessoa que detém os direitos poderia entrar com uma ação de reparação de perdas e danos; além disso, a cópia caracterizaria falsificação.
Essa resolução do Conselho Universitário tem que ser bem observada. O inciso 2 do artigo 2º da lei 9.610 estabelece o seguinte sobre as obras publicadas no exterior e não disponíveis no mercado nacional: “Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil”. Portanto a lei garante a proteção aqui no Brasil do autor estrangeiro, e nesse caso a resolução do Consuni não poderia permitir a cópia desses livros.
Quanto às alternativas que poderiam substituir as fotocópias, algumas editoras criaram o site www.pastadoprofessor.com.br. Nele, os professores entram em contato com as editoras e indicam a bibliografia que utilizam e as próprias editoras disponibilizam o texto na internet. Isso seria uma opção. Para os estudantes que não têm condições financeiras, o correto seria a universidade atualizar periodicamente o acervo e comprar livros em quantidade suficiente que poderiam ser usados pelos alunos.
Mavi Rodrigues
Diretora da Escola de Serviço Social (ESS-UFRJ)
É necessario entender qual é o sentido da Lei de Direitos Autorais, que está em discussão, para pensar em alternativas que substituam a fotocópia. A lei se torna um instrumento muito importante para que as editoras possam se manter como a controladoras da difusão do conhecimento, pois, na verdade, o autor só ganha de 4% a 7% do que é vendido. A lei resguarda, na verdade, o direito das editoras.
O que ocorria nas dependências da Escola de Serviço Social não era pirataria e, sim, disponibilização de material didático. As fotocópias são um meio de acesso ao conhecimento.
A ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) permite a cópia de capítulos, de trechos dos livros, desde que a cópia esteja vinculada ao sistema. O aluno compra a cópia de trechos de obras e retira nas fotocopiadoras autorizadas pela ABDR, mediante pagamento dos direitos autorais, o que aumenta o custo em torno de 30%. Isso parece uma alternativa. Mas, dentro da lei, existe um espaço importante de luta política em prol da autonomia universitária, do respeito às suas funções e uma delas é a socialização do conhecimento. Logo, temos um espaco para defender a cópia, sem estar vinculada à ABDR, que quer monopolizar a venda no varejo, isto é, a cópia dos capítulos e dos pequenos trechos.
Eu acho que a resolução da UFRJ, que se espelha em resolução semelhante da a USP, em 2005, é importantíssima e fundamental, mas ela não é tudo. A UFRJ tem que intervir de forma sistemática e participar na reforma da Lei de Direitos Autorais, para que haja socialização do conhecimento, caso contrário, as editoras vão restringir cada vez mais a autonomia universitária. A universidade poderia ter um papel de vanguarda nessa discussão e sensibilizar as entidades científicas para que mobilizem aqueles que, de fato, produzem o conhecimento e, dessa forma, autorizem a cópia de suas obras para fins acadêmicos.