Que a adolescência e a juventude são fases marcadas por importantes mudanças na vida do indivíduo todos sabem. Poucos ponderam, entretanto, sobre os desafios que as incertezas da Pós-modernidade lançam aos jovens de hoje. Emprego, família, casamento. Como conciliar esses anseios com a correria e com a instabilidade da vida na atualidade?
Pensando nisso, o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (Nipiac – Instituto de Psicologia) organizou o curso Os Desafios da Juventude no Mundo Atual. Oferecido a partir de agosto e com duração de quatro meses, o curso tem como objetivo principal promover a capacitação de profissionais que atuam junto a jovens, visando facilitar a abordagem dos dilemas e desafios da juventude no seu cotidiano. Mais informações sobre o curso podem ser obtidas no telefone 2295-3208 ou pelo e-mail nipiac@psicologia.ufrj.br.
O Olhar Virtual conversou com Luciana Gageiro e Jacqueline Cavalcanti, coordenadoras técnicas do projeto. As psicólogas contam como nasceu a idéia de montar um curso desse tipo e falam sobre questões pertinentes à juventude atual.
Olhar Virtual: De onde partiu a idéia de um curso voltado para a temática jovem?
Luciana Gageiro: Nos últimos anos, a questão da juventude veio para a cena pública, especialmente no Brasil, a partir da constatação de que os jovens compõem um segmento bastante vulnerável às mudanças culturais, políticas, religiosas e econômicas que acontecem no mundo. A relevância do trabalho com este segmento da sociedade aparece, por exemplo, na atual preocupação do governo federal com a juventude expressa na criação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), do Conselho Nacional da Juventude e da Secretaria Nacional da Juventude, esta última ligada diretamente à Secretaria Geral da República. Esta preocupação vem reforçar a importância e a necessidade de projetos que permitam preservar e potencializar as possibilidades de participação dos jovens em nossa sociedade. A necessidade de implementar um curso que trate de temas específicos relacionados ao segmento juvenil foi identificada, particularmente, nas diversas pesquisas realizadas pelo Nipiac, nas quais verificou-se um forte apelo feito por diversos profissionais que trabalham com jovens em favor da criação de espaços de troca e aprimoramento referentes aos desafios colocados nas relações entre o jovem e a escola na atualidade. Constatou-se que as mudanças aceleradas pelas quais vem passando a sociedade contemporânea afetam tanto os jovens quanto seus responsáveis e os profissionais que trabalham junto a eles; esses, muitas vezes, não se sentem preparados para lidar com tais transformações.
Olhar Virtual: As fases da adolescência e da juventude são momentos marcados por intensas modificações e questionamentos acerca da realidade. Que aspectos do mundo contemporâneo tornam esses dados ainda mais complexos para o jovem?
Luciana Gageiro: Com o acirramento do individualismo, a instauração da sociedade de consumo, a globalização econômica e cultural, as bases de sustentação de ideais coletivos e relativamente estáveis se dissipam. Nesse contexto, os ideais de liberdade e autonomia tornam-se radicais, de modo que é dito aos jovens que seu futuro depende única e exclusivamente deles. Eles entendem que devem romper com o passado e com as tradições, para que possam se destacar do todo pela sua singularidade e autenticidade. Assim, o caminho em direção a uma travessia da adolescência complica-se, na medida em que o jovem não encontra na cultura referências que possam lhe auxiliar neste momento de “passagem”.
Olhar Virtual: O desemprego é uma realidade para uma parte considerável dos jovens brasileiros. Como isso influi na construção de perspectivas de futuro desses indivíduos?
Luciana Gageiro: Sim, o quadro de desemprego só agrava as dificuldades enfrentadas pelos jovens hoje. Pelas pesquisas realizadas no Nipiac, sabemos que o trabalho, ao lado do casamento e da constituição de uma família, é uma referência importante para os jovens na construção de seus projetos futuros. O que ocorre diante de tanta instabilidade social é uma tendência nos jovens a se fixarem no presente e uma dificuldade de se projetar no futuro. Nesse sentido, pensamos que o rigor e o cuidado na abordagem das questões da adolescência e da juventude se faz ainda mais necessário no contexto brasileiro, marcado por tantas desigualdades e pela exclusão social de muitos. No caso dos adolescentes pobres e/ou marginalizados, tão grave quanto à condição de privação material em que muitas vezes se encontram, é a situação de um desamparo discursivo - de falta de um discurso de pertinência - em que se encontram. Sem um lugar no discurso social que não seja o lugar da estigmatização e do preconceito, esses adolescentes ficam privados da possibilidade de serem ouvidos como sujeitos, o que, muitas vezes, só vem a ocorrer após algum ato extremo de violência como única resposta possível.
Olhar Virtual: Como a relação do jovem com a família e com a sociedade mudou nos últimos anos? Quais as influências da disseminação do uso de drogas e do aumento nos níveis de violência nessa relação?
Luciana Gageiro: A tarefa de educar jovens hoje se torna bastante complexa e desafiadora. Os pais e os profissionais que lidam com jovens enfrentam dificuldades, particularmente, nas questões referentes ao exercício da autoridade, à indisciplina e ao descompromisso. Por outro lado, as mensagens veiculadas pela mídia trabalham em cima de um estereótipo de jovem como aquele que é livre, que não se submete às regras e que pode, portanto, gozar de todos os prazeres da vida. Prevalece, atualmente, a lógica da exclusão, do não-reconhecimento das diferenças, do embotamento do desejo pelos padrões de prosperidade e comportamento impostos pelo consumo, nos quais o jovem deve se enquadrar, sem espaço para a sua subjetividade. A violência e o uso abusivo de drogas e álcool podem ser entendidos como respostas dos jovens a estes imperativos sociais. Nesse sentido, a esses jovens, controle não falta, o que falta é perspectiva, é desejo. E essa problemática não se restringe à família, mas se trata de algo que envolve toda a sociedade. Há que se pensar formas pelas quais os pais e a sociedade possam refletir sobre os impasses na educação dos jovens no mundo contemporâneo para tentar assim oferecer a eles um cenário diferente.
Olhar Virtual: Zigmunt Bauman, autor polonês, em seu livro Amor Líquido, ressalta a fragilidade das relações humanas na pós-modernidade e enfatiza que é necessária muita ousadia para assumir compromissos de longo prazo. As relações amorosas dos jovens estão, de fato, mais efêmeras e superficiais? Como o jovem do mundo atual encara o amor e o casamento?
Jacqueline Cavalcanti: No livro Amor Líquido, Bauman trata da fragilidade dos vínculos humanos, e entre eles inclui o vínculo amoroso-sexual. Discute essa fragilidade a partir de determinadas condições sociais e culturais do nosso tempo, chamado por ele de "modernidade líquida". Duas importantes características desse tempo são a ênfase que o indivíduo dá a sua própria liberdade e à possibilidade de ter uma vida consumidora. Nesse contexto, ser livre para viver sem restrições, sem constrangimentos ou cerceamentos, e ter opções e poder escolher aquilo que mais o apraz são aspectos essenciais para o indivíduo. É a partir desse contexto que as relações amorosas devem ser pensadas. Assim, muitas vezes, o jovem busca relações amorosas mais superficiais e efêmeras porque esta é uma maneira de ele se aproximar de um outro e, ao mesmo tempo, manter a sua liberdade individual, e o seu campo de opções em aberto. Isto não quer dizer que o jovem não tenha relacionamentos mais intensos e duradouros, mas sim que esta não é a única forma relacional possível. Ademais, ao se pensar na duração de um relacionamento é preciso ter em vista que a noção de tempo hoje é diferente da de outrora. Na atualidade, nos grandes centros urbanos, há uma aceleração no ritmo de vida, na valorização do movimento e da velocidade que tem impacto sobre o modo como as relações acontecem.
Com relação ao amor entre duas pessoas, ele é visto pelo jovem de uma maneira mais contextual e pragmática, isto é, ele diz respeito a condições de vida concretas e específicas de cada um dos parceiros. No momento em que estas condições acabam, o amor acaba ou se transforma. Quanto ao casamento, ele continua fazendo parte dos projetos de muitos jovens, porém o casamento não é a única dimensão da vida valorizada por homens e mulheres. Paralelamente ao desejo de vir a se casar, os jovens esperam querem concluir os seus estudos, ter uma carreira ascendente e uma vida profissional de sucesso.