Opinião
da antropóloga Ilana Strozemberg
A prática do consumo, de um modo geral, tem sido alvo de
acusações severas por parte de grande parte dos críticos
da sociedade contemporânea. Para muitos, consumo é
sinônimo de ostentação, de superficialidade,
de valorização dos bens materiais em detrimento dos
valores morais, de falsa busca da felicidade, enfim, de tudo que
se apresenta como o oposto de uma atitude humanista e solidária.
Essa visão, no entanto, vem sendo questionada por uma série
de autores como uma interpretação simplista e maniqueísta,
que reduz o comportamento humano, qualquer que seja ele, à
dimensão do econômico. Esses autores, que fundamentam
uma nova vertente dos estudos antropológicos a que se denominou
"Antropologia do consumo", argumentam, por um lado, que
todo comportamento humano possui múltiplas dimensões
e, por outro, que seu significado só pode ser compreendido
no contexto sódio-cultural em que se insere. Desse ponto
de vista, a dimensão econômica, comercial, é
percebida como apenas um dos múltiplos aspectos do ato de
consumir, até mesmo na chamada sociedade capitalista de mercado.
Se, de fato implica numa troca de bens e/ou serviços por
dinheiro, resta indagar - como seria o caso também em qualquer
outra sociedade - quem troca, com que intuitos, em nome de que valores.
Ou seja: o que o está sendo comunicado através do
consumo?
Veja o caso do Natal. Não há dúvida de que
constitui uma grande oportunidade para o aquecimento do mercado,
que certamente atende a interesses de lucro econômico. Mas
será que isso retira da compra e do ato de presentear o seu
caráter simbólico, ritual, de reafirmação
dos valores de solidariedade como fundamento da vida social, dos
quais a família representaria idealmente o espaço
de realização mais pleno - modelo de amor e harmonia
para as demais relações? Acredito que não.
Só que, na sociedade de consumo, as relações
entre os homens, sejam elas políticas, estéticas,
ou afetivas e morais, passam, em grande parte, pela instância
do mercado. Assim como os partidos – sejam quais forem - precisam
de verbas para fazerem suas campanhas e os artistas têm que
se inserir no mercado de arte para sobreviver de seu ofício.
Se quisermos expressar nosso afeto e solidariedade e reafirmar nossos
laços de família e amizade no Natal (bem como nos
aniversários, na Páscoa, ou outras ocasiões
rituais) teremos que ir às compras. É evidente: não
há como negar o fato econômico. Mas, certamente, do
ponto de vista dos processos e dinâmicas sócio-culturais,
é muito diferente quando o comércio e a propaganda
agregam valores como amor, solidariedade e amizade a produtos que
compramos para presentear de quando, ao contrário, nos vendem
carros, roupas, ou, para ser ainda mais radical, aparelhos de escuta,
alarmes ou armas, com o argumento de que garantirão nosso
sucesso e poder de competição e defesa pessoal num
universo de competidores hostis.
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