Opinião
do professor Micael Herschmann, professor-adjunto da Escola de Comunicação
da UFRJ, onde também coordena o Núcleo de Estudos
e Projetos em Comunicação e edita a Revista ECO-PÓS:
Talvez mais do que uma “civilização
da imagem”, a expressão que melhor define o mundo em
que estamos vivendo hoje é uma “era da visibilidade”,
ou melhor, de uma “alta visibilidade”. Ver e exibir
se constituem, atualmente, aspectos vitais do ambiente cultural
em que estamos profundamente imersos. Esse processo de produção
de uma visibilização intensa e constante na mídia
parece nos fascinar irresistivelmente e tem como uma das suas contrapartidas
o crescimento dos números de escândalos com os quais
tomamos contato. É conseqüência óbvia de
vidas e intimidades cada vez mais visíveis e consumidas de
forma ávida pelo público. No livro que eu e Carlos
Alberto Messeder Pereira organizamos recentemente intitulado Mídia,
Memória & Celebridades (Ed. E-Papers) buscamos analisar
esse cotidiano em que vivemos cercados de celebridades, em que a
intimidade alheia nos é mostrada incessantemente, e mais,
tudo isso ocorre de um modo que nos parece perfeitamente “natural”
e extraordinário. Acrescente-se a esse cenário, uma
quantidade aparentemente infinita de informação circulando
em alta velocidade e uma tecnologia de comunicação
hiper sofisticada que nos garante forte e crescente interatividade,
além de uma incrível capacidade de criar novos referenciais
de realidade.
Aliás, a propósito, sobre a platéia anônima,
isto é, sobre todos os que estão do “outro lado
do vidro”, pode-se observar um processo curioso. Com a ascensão
e hegemonia do culto às celebridades, cada vez mais, não
obter algum tipo de visibilidade temporária ganha uma enorme
dramaticidade. Já se desenvolveram inúmeras “receitas”
para se tornar uma celebridade. Todos os candidatos à celebridade
vêm adotando a estratégia estética do maior,
mais barulhento e mais rápido. Isso vem provocando um processo
em cadeia que forçou os pretendentes ao lugar de celebridade
a se tornarem mais escandalosos (e até violentos) para serem
notados em meio à balbúrdia e ouvidos em meio à
gritaria.
Aliás, apesar das similaridades, a situação
de anonimato não é vivenciada da mesma forma no Brasil
e nos EUA. O antropólogo Roberto da Matta nos recorda que,
o sujeito famoso se constitui, no Brasil, numa espécie de
“superpessoa”, uma espécie de super cidadão.
Assim, especialmente em países como o nosso marcados pela
desigualdade e pela exclusão social, em que essas oportunidades
de visibilidade e ascensão social são menores, o anonimato
é interpretado pelas camadas menos privilegiadas da população
como um ato de violência, mais uma comprovação
de sua falta de cidadania. Sua participação, portanto,
em programas de auditório, realityshows e similares, quase
sempre desempenhando, aos olhos das camadas médias, papéis
constrangedores e escandalosos, deve ser vista também dentro
dessa perspectiva, isto é, como uma forma de compensação,
uma chance, ainda que limitada, de serem protagonistas temporários.
Poder-se-ia afirmar que a estratégia “falem mal, mas
falem de mim” nunca esteve tão em voga.
Opinião
do professor Marcos Jardim, professor de Psicologia Social do Instituto
de Psicologia da UFRJ:
A
palavra escândalo, de acordo com o Dicionário Etimológico
de Antonio Geraldo da Cunha (Nova Fronteira, 2ª. Edição,
1986), significa “aquilo que é causa de erro ou de
pecado”. Se se admite essa concepção, deve ser
indagado qual é o certo ou o que é o esperado. A mídia,
se referenciada como termômetro, dá o status do “erro
ou pecado” segundo o espaço concedido à matéria,
a freqüência do tema e seus desdobramentos. Porém
a mídia em si não é isenta: representa diversos
interesses em jogo e, conseqüentemente, a correlação
de forças entre os diversos grupos organizados segundo interesses
do momento. O tratamento dado na divulgação, ou mesmo
na supressão da matéria, gera amplo espectro de possibilidades,
desde a aceitação sem críticas até a
especulação de que o verdadeiro objetivo é
o contrário do que está sendo divulgado, o que permite
vários graus intermediários de interpretação.
Assim, surge o vasto material para a elaboração de
“teorias conspiratórias”, boatos, “ler
nas entrelinhas”, etc. Apesar de negado com freqüência,
a comunicação é, na maioria absoluta de seu
uso, um processo de manipulação que visa influenciar
comportamentos. Como exemplo podem ser apontados os inúmeros
estudos sobre a influência da televisão, do cinema,
do jornal, entre outros meios, na mudança de hábitos
e comportamentos. Porém, como a mídia não pode
ser “descolada” da realidade e o ser humano está
sempre procurando “novidade”, sair da “mesmice”,
tem-se os ingredientes do escândalo: ou o erro ou o pecado.
Como o erro pode ser ou não intencional, exemplos recentes
de escândalos podem estar baseados em incompetência
e/ou má fé. Assim, quando recentemente uma plataforma
de uma empresa de petróleo submergiu e o gerente afirmou
que esta era apenas uma das plataformas, omitiu que era a mais cara,
a mais complexa e de tecnologia mais avançada. A explicação
dada demonstra a total incompetência ou para gerir ou para
comunicar (ou ambas), o que pede ações diferentes
variando da demissão (se gerência) à destituição
(se comunicação). O escândalo da corrupção
em órgãos de arrecadação é outro
exemplo da associação entre erro de gestão
e má fé. Mas qual é o escândalo maior:
persistir na forma equivocada de gestão ou não punir,
punir levemente ou apenas parcialmente alguns dos envolvidos ? E
a busca de índice de audiência do Gugu ? E a busca
de invasão de privacidade para denunciar desvios de conduta
? E quando a cumplicidade da audiência é parte da trama
? E quando um programa infantil exibe a dança da garrafa
em um ambiente de pedofilia ? Qual o escândalo maior: o apresentado
ou a passividade da sociedade ? Murdoch, dono de império
da comunicação, afirma que escândalo e baixaria
é o que vende, é o que o público quer, e sua
fortuna e sucesso em diferentes países parece ser o testemunho
de sua afirmação.
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