O
que disse a Congregação para a Doutrina da Fé
da Igreja Católica no seu documento “Considerações
sobre propostas a conferir reconhecimento legal a uniões
entre pessoas homossexuais”, que veio ao público em
31 de julho deste ano?
1. A homossexualidade é “um fenômeno moral e
social preocupante”.
2. O casamento foi estabelecido por Deus. “Nenhuma ideologia
pode erradicar do espírito humano a certeza de que o casamento
existe somente entre um homem e uma mulher, que, através
de uma dádiva humana mútua [...] tendem a uma comunhão
das suas pessoas. Dessa forma eles se aperfeiçoam mutuamente
para cooperar com Deus na procriação e educação
de novas vidas humanas”.
3. Não há nada em comum entre uniões homossexuais
e os planos de Deus para a família. Atos homossexuais contrariam
a lei natural e moral. “Eles não procedem de uma complementaridade
afetiva e sexual genuína. Não podem de jeito nenhum
ser aprovados”.
4. As escrituras condenam atos homossexuais como “depravados”
e “intrinsecamente desordenados”.
5. “Permitir a adoção de crianças por
casais homossexuais seria fazer violência contra essas crianças”.
6. “Quando se propõe legislação a favor
do reconhecimento de uniões homossexuais numa assembléia
legislativa, o legislador católico tem um dever moral de
exprimir a sua oposição clara e publicamente e votar
contra. Votar a favor uma lei deste tipo tão danoso ao bem
comum seria gravemente imoral”.
Não há nada de novo nessas palavras. A Igreja Católica
mantém essa postura homofóbica por tempos imemoriais.
A posição se baseia fundamentalmente no Velho Testamento
que é tido como a palavra de Deus.
De fato, o Velho Testamento é uma etnografia de uma antiga
tribo pastoril de linhagens patrilineares. O horror a atos sexuais
entre pessoas do mesmo sexo exprime uma celebração
dos fundamentos de uma sociedade deste tipo: fortíssima demarcação
dos gêneros masculinos e femininos; a fundamental importância
dada a procriação para a perpetuação
e o fortalecimento das linhagens; a celebração da
aliança entre linhagens através do casamento.
Não vivemos mais em uma sociedade pastoril tribal. Não
há mais um dimorfismo de gênero tão forte. Aboliu-se
a antiga divisão sexual do trabalho (inclusive até
de inseminação e procriação). As uniões
chamadas de “casamento” não existem principalmente
como alianças entre grupos sociais, mas entre indivíduos.
Uniões não são contratadas apenas para a procriação
de filhos, mas para a produção de estilos de vida
próprios da vida urbana contemporânea.
Outras igrejas acompanham essas mudanças. A Igreja Anglicana
dos Estados Unidos da América recentemente confirmou o seu
primeiro bispo assumidamente homossexual, mesmo temendo muita oposição
da base da igreja.
Devemos perguntar então por que da recusa de mudança
da Igreja Católica. Tenho algumas hipóteses:
1. A Igreja Católica não se recuperou das acusações
de “pedofilia” que se avolumaram nos últimos
tempos. Tomando atitudes muito fortes contra as uniões homossexuais
tenta passar a imagem de uma intransigência em relação
ao assunto;
2. A Igreja Católica pode ter avaliado ter perdido muitos
adeptos no rastro do Vaticano II. A postura conservadora pode ser
simplesmente uma tentativa de competir com as igrejas fundamentalistas
protestantes, que tem uma maior reverência ainda para as palavras
da Bíblia, e que representam a maior ameaça à
Igreja Católica nos tempos atuais.
Mas tudo isso é preocupante. A conhecida posição
da Igreja Católica contra o uso de camisinhas só pode
ser entendida como hipócrita e mortífera. A posição
contra a homossexualidade e contra as uniões homossexuais
representa uma negação da enorme mudança de
conceitos morais no ocidente moderno; uma vontade de estabelecer
uma posição firmemente conservadora a qualquer custo.
Ainda bem que os habitantes e o governo do Brasil, que é
tido como sendo o país com o maior numero de católicos
no mundo (ainda?), têm recusado os ensinamentos da Igreja
Católica sobre camisinhas. O encorajamento do uso de camisinhas
por parte do Ministério da Saúde foi, e continua sendo,
um elemento fundamental na capacidade do Brasil enfrentar, de uma
forma racional, a grave ameaça do vírus HIV/AIDS.
Veremos se os nossos legisladores católicos terão
o bom senso de ignorar a aversão católica às
uniões homossexuais.
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