Íntegra
da entrevista com o professor Ângelo da Cunha Pinto
É muito
oportuno o enredo da escola de samba Unidos da Tijuca para o carnaval
do Rio de Janeiro de 2004. A transmissão ao vivo e a cores
do carnaval carioca para todo o Brasil e para o mundo, de milhares
de sambistas evoluindo e cantando no Sambódromo o samba-enredo
“O Sonho da Criação, a Criação
do Sonho – A Arte da Ciência no Tempo do Impossível”,
será uma verdadeira apoteose científica.
Para uma população acostumada a assistir “O
Fantástico” da Rede Globo de Televisão, o desfile
da Unidos da Tijuca será uma aula de ciência para muitos
dos que estarão nos camarotes e nas arquibancadas do Sambódromo.
É preciso se contrapor a essa visão deturpada do que
é ciência, desmistificar a figura do cientista que,
para muitos brasileiros, ainda é a do físico Albert
Einstein com a língua para fora e cabelos desalinhados. Nesse
sentido a exaltação à ciência na passarela
do samba é uma forma inteligente de divulgação
científica.
A idéia de que ciência só serve para fazer armas
de destruição em massa permanece no inconsciente coletivo
da população, que ainda não superou o trauma
da bomba atômica jogada sobre o Japão durante a segunda
guerra mundial. Se a imagem da ciência é ruim, isto
se deve em grande parte aos próprios cientistas, que estão
mais preocupados com os indicadores de ciência e tecnologia,
para obter financiamento para suas pesquisas, do que propriamente
popularizar a ciência através de seus grandes feitos
para a humanidade.
O mundo foi bombardeado com imagens da guerra durante todo o período
da invasão do Iraque pelas tropas do EUA, cujo desempenho
bélico foi atribuído à eficácia da ciência
e da tecnologia americana. Os correspondentes de guerra e os comentaristas
políticos não cansaram de usar a expressão
“Operação Cirúrgica” para mostrar
a precisão dos mísseis sobre alvos militares. Agora
mesmo no Brasil foi lançado o livro “Os Cientistas
de Hitler” de John Cornwell, cujo título deixa implícito
a falta de responsabilidade política e moral dos cientistas,
como se todo cientista alemão fosse partidário do
nazismo. Por que não associar a ciência ao aumento
da vida média de homens e mulheres a descoberta dos antibióticos
e das vacinas? Por que não valorizar o que a ciência
trouxe de bom para a humanidade? A criação da pílula
anticoncepcional é um bom exemplo para ser mostrado na festa
de momo, de como a ciência pode ser boa para foliões
e folionas.
Se toda a religião é na sua origem uma imagem do mundo,
a ciência é o modo pelo qual homens e mulheres procuram
compreendê-lo.
O Brasil tem e teve grandes cientistas como Oswaldo Cruz, que debelou
a febre amarela no Rio de Janeiro, Carlos Chagas que descobriu a
doença que leva o seu nome, Santos Dumont o primeiro homem
a voar num objeto mais pesado do que o ar, Mauricio Rocha e Silva
o médico e cientista brasileiro cujo trabalho foi a base
para que o veneno das cobras cascáveis resultasse no tratamento
da hipertensão arterial, César Lattes o descobridor
do méson-p e Johanna Dobereiner que estudou a fixação
de nitrogênio por bactérias nas raízes da soja
e que foi fundamental para a diminuição do uso de
fertilizantes nas suas culturas. Graças a esta agrônoma,
o Brasil vem batendo todos os recordes na exportação
de grãos de soja, o que lhe deu, em 2003, um superávit
na balança de pagamentos.
Viva a Unidos da Tijuca, que vai tirar o cientista da torre de marfim
para a passarela do samba, ao lado de belas passistas cujo requebrar
de cadeiras não necessita de grandes explicações
científicas.
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