A difusão dos cursos técnicos de nível superior é uma realidade na educação brasileira e na educação mundial. Algumas das características do ensino técnico são a curta duração, em média dois anos, e o forte lado prático, pois atendem a demanda do mercado de trabalho. Essas idiossincrasias ajudam a entender o perfil dos tecnólogos.
Algumas universidades brasileiras, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), têm adotado esse modelo de formação. No entanto, o Brasil ainda tem muito a evoluir nesse campo. Uma pesquisa feita em 34 países mostrou que o Brasil é o que envia menos jovens às escolas técnicas, enquanto países mais desenvolvidos como a Finlândia e a Alemanha lideram o ranking.
É crescente o número de ocupações que exigem formação de curto prazo, como nas áreas ligadas à informática, indústria do lazer e aos serviços pessoais. Mas a validade e a qualidade do diploma de tecnólogo são constantemente questionadas, seja por causa da especialização da mão-de-obra ou por puro preconceito. Em artigo publicado na revista Veja, de 21/08/2002, Claudio de Mora Castro, doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA), defendeu o ensino técnico: “Há ameaças de vários lados. Umas por conservadorismo, outras para preservar reservas de mercado. Algumas associações de classe tentam defender seus feudos no tapetão da lei. Outros sonham nostalgicamente com uma universidade de pesquisa para todos, como se em algum país fosse assim. Para esses, oferecer diplomas ao cabo de dois anos é abastardar o ensino superior, sacrilégio imperdoável. Em sua cabeça não entra a idéia de que superior é tudo que vem depois do médio, incluindo a preparação para muitas ocupações novas ou que se transformaram”.
A fim de esclarecer as polêmicas que permeiam a entrega de diplomas de Ensino Superior em curto prazo, o Olhar Virtual conversou com os professores Ana Maria Monteiro e Leandro Tessler. Coordenador Executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares (Convest) da Unicamp, Tessler defende a formação de tecnólogos e alerta para a carência de instituições públicas de formação desses profissionais. Já a professora e diretora da Faculdade de Educação da UFRJ, Ana Maria, alerta para a formação precária que esses cursos podem oferecer aos futuros profissionais.
O tecnólogo é um profissional de nível superior com treinamento em uma área profissional específica. Sua função é atuar em nichos específicos na cadeia produtiva ou na área de prestação de serviços. Ele é formado para fazer processos avançarem. Isso é importante em qualquer área de atividade econômica. Uma empresa que usa tecnologias sofisticadas, como, por exemplo, instalar fibras óticas para telecomunicações, tem mais qualidade e produtividade se lançar mão de tecnólogos em Telecomunicações. Uma empresa de construção civil, uma área em que abunda mão-de-obra barata e pouco qualificada, aumentará muito a eficiência de seus processos se contar com tecnólogos em Construção Civil, e por aí vai. Gosto de mencionar o gerenciamento de resíduos em processos industriais, que é exercido por tecnólogos em Saneamento Ambiental, pois se trata de uma área em forte expansão e com carência de profissionais treinados nos aspectos práticos.
A formação de um bacharel é (ou pelo menos deveria ser) mais abrangente que a de tecnólogos. O bacharel não deve, a princípio, ser treinado para atuar num nicho específico. Um curso de tecnólogo é essencialmente prático, buscando o treinamento para a realização de tarefas específicas no setor produtivo e de serviços. Os cursos tradicionais deveriam (mas nem sempre conseguem) proporcionar uma formação menos aplicada e mais abrangente do ponto de vista intelectual. Portanto, os cursos de formação de tecnólogos têm um objetivo diferente dos cursos de formação de bacharéis. Isso não tem nada a ver com qualidade. Qualidade de formação é obtida com bons professores, boas instalações, bons currículos.
Os tecnólogos formados pela Unicamp no campus de Limeira não têm problemas para encontrar posições no mundo do trabalho. A crise certamente terá conseqüências para toda a atividade econômica. Por outro lado, será um momento em que a eficiência será muito valorizada, o que pode abrir possibilidades importantes para os tecnólogos.
No país do "sabe com quem está falando?" parece que todos os profissionais devem dedicar-se a atividades intelectuais complexas. Nada mais equivocado. Não existe país que tenha se desenvolvido sem uma força de trabalho importante exercida por tecnólogos. Parece-me que temos uma grande carência de escolas públicas de formação de tecnólogos, que não precisam ser necessariamente universidades. Nesse assunto, também a nossa elite intelectual acha que só é possível ensino de qualidade em universidades. Isso também é um equívoco. Universidades propõem um determinado modelo de formação superior. Escolas de tecnólogos, outro. É até possível termos formação de tecnólogos nas universidades públicas, mas é preciso que a instituição entenda muito bem que o objetivo dessa formação não é o mesmo dos bacharelados.
A proposta de criação de cursos de formação de tecnólogos se baseia no modelo americano dos Colleges. Esses cursos têm de imediato um apelo grande porque vêm atender uma demanda do mercado de trabalho que busca técnicos para ocupar posições nas empresas na área tecnológica. Porém, isso traz uma ilusão e é muito preocupante, porque, na medida em que temos avaliações de cursos realizados em quatro e cinco anos que, muitas vezes, não conseguem preencher todas as exigências, um curso com dois anos de duração pode atender menos ainda essas exigências.
A UFRJ e as universidades públicas, principalmente, precisam refletir sobre uma decisão desse tipo, porque com isso você se submete a uma demanda que vai colocar no mercado profissionais com formação precária. O que nós temos que nos perguntar, falando como professora da UFRJ, é se esse é nosso projeto enquanto instituição, se é esse o objetivo de uma universidade pública que tem compromisso com a sociedade brasileira, com a formação de profissionais qualificados, com a formação cidadã. A UFRJ é uma instituição que vem cumprindo até hoje sua missão institucional de trabalhar com Ensino, Pesquisa e Extensão. Ela tem proporcionado oportunidades aos seus alunos através das bolsas. Isso é muito válido na formação dos futuros profissionais.
Na formação profissional, além do estudo propriamente dito, há a vivência da universidade, a experiência que podem adquirir com colegas, professores e pesquisadores, participando de seminários, congressos e simpósios. Com os cursos de tecnólogos, você nega aos alunos todas as possibilidades citadas anteriormente, pois, em dois anos, essa vivência é muito efêmera.
Ainda que alguns grupos aleguem que o curso de tecnólogo atende às demandas do mercado de trabalho, esse é um debate que precisa ser feito com cuidado. Para essa formação técnica, acredito que os CEFETs dêem conta da demanda.
Outra questão importante que precisa ser defendida é: que tipo de profissional queremos formar no nosso país? Técnicos ou tecnólogos, que vão saber apenas trabalhar com uma tecnologia que importamos de países desenvolvidos, ou queremos formar um profissional na área tecnológica que tenha conhecimento da produção e do desenvolvimento das novas tecnologias?
Na época da ditadura militar, na década de 1970, houve uma pressão muito forte para que a duração dos cursos de Licenciatura fosse reduzida para dois anos sob a alegação de que havia necessidade muito grande de formar professores em curto prazo. A experiência foi desastrosa, tanto que voltaram atrás e instituíram novamente as licenciaturas plenas.
A universidade pública tem um papel a ser cumprido na sociedade. Ela não pode ficar refém do mercado. Ela precisa definir seu projeto enquanto instituição de ensino. Porém, isso não significa que precisa estar fechada para o mundo ou para novas propostas nem ignorar as mudanças da sociedade.