De Olho na Mídia

A questão agrária em debate

Taysa Coelho


O Movimento dos Sem-Terra (MST), que surgiu no Brasil em 1984, tem a história marcada por polêmicas - como prisão de seus líderes – e conflitos violentos com donos de fazendas. Este mês, o MST adicionou mais um capítulo à sua história. No último dia 22, o Congresso Nacional conseguiu reunir 182 assinaturas de deputados e 35 de senadores e obteve a aprovação da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para apurar o apoio dado pelo Governo Federal ao grupo que luta pela reforma agrária. Esta, no entanto, é a segunda tentativa de criação da Comissão. Sendo necessários 171 votos do Senado e 35 da Câmara, a primeira tentativa de abertura da CPI, realizada no mês passado, fracassou quando 42 parlamentares favoráveis à criação retiraram suas assinaturas.

A ideia de criar a CPI foi liderada pela bancada ruralista, predominantemente composta por parlamentares do Partido Democratas (DEM), que alegam o desejo de investigar a veracidade de algumas denúncias, que indicavam a transferência de recursos federais, dirigidos a Organizações Não-Governamentais, para o Movimento dos Sem-Terra (MST). De acordo com as acusações, desde 2004 o MST pode ter recebido o montante de US$ 65 milhões. O governo rebate e diz que a iniciativa não passa de uma tentativa de criminalização do movimento – que tem apoio do presidente Lula – para aquecer as eleições presidenciais de 2010.

A mídia e o MST

As denúncias relativas à irregularidade na distribuição do capital partiram  da imprensa, sempre presente na cobertura de todas as polêmicas em que o movimento se encontra envolvido. Para o cientista político da Escola de Serviço Social da (ESS-UFRJ) UFRJ Giuseppe Cocco “não dá para saber se a imprensa é reacionária por causa dos jornalistas que ali trabalham ou se é devido aos seus leitores, ouvintes e espectadores”. Segundo ele, ”a grande mídia fala para as elites e é contra a reforma agrária, o Bolsa Família, as cotas e se opõe a qualquer mudança que possa construir as bases para a paz”.

O cientista acrescenta que “entra aí a questão da desigualdade social no Brasil. Quando há um movimento que é capaz de organizar a questão da terra, como uma mobilização social, construção de cidadania e de sentido, a imprensa se posiciona contra. E de uma maneira absurda, pois o transforma em algo criminoso”.

Ponto de partida

Segundo Ronaldo Caiado, deputado federal do DEM, o MST é um grupo que busca destruir propriedades produtivas. E o estopim se deu quando seus integrantes invadiram um laranjal no interior de São Paulo, no último dia 9. A imprensa e os congressistas pintaram a situação como uma absurda invasão de uma propriedade produtiva, o que vai contra as leis da reforma agrária. Entretanto, Cocco esclarece que a situação não é bem como foi divulgada. “Na realidade, escondem o fato que na base há a proteção privada de um bem público. Aquelas terras, em que havia a produção privada de laranja, são, na realidade, públicas”, alerta.

O cientista social relata que a questão da distribuição de terras vai muito além da invasão de terras improdutivas. Alega que o ponto principal é a concentração de propriedades nas mãos de poucos e que a reorganização espacial é fundamental para o desenvolvimento de um país. “Em todos os países que passaram por um processo de desenvolvimento mais acelerado, a distribuição das terras produtivas foi um momento fundamental para transformar a sociedade e a economia, vide os Estados Unidos e a Inglaterra”, defende.

Em contraposição aos criadores da CPI, o deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Ivan Macedo alegou que sua criação era apenas uma tentativa de criminalizar o movimento e favorecer o agronegócio. Giuseppe Cocco concorda e acrescenta que a Comissão é um fator da oposição, que nada tem a propor além da manutenção da desigualdade social vigente, julgando-a como uma manobra eleitoreira para tratar de interesses agrários.

Quando questionado sobre qual efeito a CPI pode surtir no movimento, o cientista diz que não é possível prever. No entanto, espera que o movimento seja forte “porque ele é um fator fundamental de transformação social e que, portanto, pode ajudar a sociedade a sair da situação de quase guerra pela qual está passando”, conclui.