De acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-HABITAT), quase 30% da população urbana brasileira vivem em favelas. Apesar de já ter alcançado certa visibilidade na mídia brasileira, a população ainda não se sente inserida e representada. Durante o “I Encontro Nacional de Correspondentes Comunitários do Viva Favela”, que aconteceu em julho no Rio de Janeiro, fez-se o seguinte apelo: “A mídia comercial não deve restringir a cobertura do cotidiano das favelas às páginas policiais ou aos programas populares de rádio e TV.” Segundo os participantes do evento, a chamada grande imprensa vem reforçando, ao longo de décadas, preconceitos e estereótipos em relação às comunidades pobres.
Paulo Vaz, mestre em filosofia e doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), dedica grande parte de seus estudos à questão do risco na contemporaneidade. “Com a evolução da própria sociedade do Rio de Janeiro, o tráfico passou a ocupar o espaço e a tentar delimitar territórios. Eis que se fez uma associação íntima entre tráfico, crime e favela. A classe média escreve a notícia, situando a favela como lugar de residência e origem da criminalidade na sociedade, e associando-a à ideia de risco. A favela se constitui como um território ameaçador. É como se fosse indicador de risco”, afirma Vaz, também professor da disciplina Comunicação, Psicologia e Cognição, na ECO.
Segundo Vaz, a classe média aponta os moradores da favela como “humanos que não importam tanto”. Exemplo disso seria uma manchete veiculada há alguns anos: “Tiroteio no Salgueiro provoca pânico na Tijuca.” “Trata-se de um ponto de vista no qual a classe média privilegiada se coloca como vítima, e a relevância de quem mora na favela é sempre reduzida. Por que o tiroteio não provoca pânico no Salgueiro? Os moradores das favelas têm tanto medo quanto os da classe média, mas há o estereótipo de que quem mora na favela é criminoso. O preconceito é embasado e construído a partir da ideia de risco”, explica o docente.
Vaz acredita que o primeiro passo para superar o preconceito é partir do pressuposto de que os moradores da favela são tão humanos e tão iguais quanto a classe média. Ele observa mudanças na favela e na abordagem que se faz dela. “Hoje a cobertura está mudando, a favela está virando classe média, e há todo um esforço social tentando lutar contra o estereótipo. A funcionalidade da favela também está sendo transformada: agora os moradores detêm poder de compra e fazem parte também da audiência”, diz. Vaz faz um alerta, porém: “É preciso tomar cuidado com a transformação do estereótipo. A dita ‘parte boa’ da favela está ligada somente à cultura. Sendo que lá tem gente que estuda, faz Engenharia, trabalha. Não existe somente o sambista e o malandro”, conclui.