As notícias sobre a crise americana, que tiveram início há aproximadamente dois anos, têm sido mais freqüentes nos jornais desde janeiro de 2008. Segundo Antonio Luis Licha, coordenador do Grupo de Conjuntura Econômica do Instituto de Economia da UFRJ, a mídia – em especial os meios especializados – tem representado o estado de ânimo que existe no mercado financeiro em determinados momentos, repercutindo os níveis de otimismo ou pessimismo que surgem no mercado financeiro. “Notamos claramente essa questão quando, por exemplo, os mercados financeiros nos Estados Unidos ficaram em pânico no dia 21 de Janeiro, quando o Federal Reserve, o Banco Central norte-americano, entrou em crise e a mídia refletiu esse pessimismo”, disse o especialista, lembrando que, à medida que os mercados se tornaram mais otimistas pelas intervenções do Banco Central, a mídia também transpareceu essa posição.
Licha, portanto, acredita que os meios de comunicação agem como um termômetro de rumores do mercado financeiro, tanto no âmbito internacional quanto em nosso país. “Até porque a mídia brasileira costuma repercutir os principais jornais americanos”, afirma. Já em termos de explicação técnica, o professor defende a atitude midiática: “As operações financeiras envolvidas, especialmente em mercados de crédito imobiliário e em mercados de derivativos, são muito complicados; a mídia tem sempre simplificado, alcançando uma abordagem didática”.
- De fato, num primeiro momento há a divulgação bruta dos efeitos mais visíveis, como a queda da bolsa de valores e das ações do Federal Reserve. Após a fase inicial da crise, a tendência da mídia é explicar um pouco melhor o que está acontecendo. Nos próximos meses, seja por interesse do congresso americano, seja por interesse da mídia, deverão ser melhor fiscalizados os motivos da crise -, descreve o especialista, para quem o motivo da crise foram os gastos além das possibilidades de renda da população.
O economista alega que, desde os anos 80, as famílias americanas têm gastado acima do que a renda pessoal permite, motivadas pela expansão da economia do país e pela criação de novos recursos de crédito para famílias, instrumentos que permitem a possibilidade do empréstimo às pessoas que não o possuíam anteriormente. “Nessa expansão, entretanto, cria-se uma série de exageros. Durante dez, vinte anos foram se acumulando dívidas não apenas no nível familiar, mas repassadas como instrumentos financeiros para outros e sendo distribuídos com riscos por distintos lados do mercado financeiro”, explica Licha, comparando a crise atual estadunidense a um castelo de cartas. “Construiu-se um castelo de cartas, acreditando que não aconteceria nada à sua base. Quando acontece - e começa a acontecer por volta de 2006 - os preços de imóveis já havia crescido demais, e o castelo desmoronou”.
- Quando se tem uma crise financeira, créditos são suspensos, param os fluxos monetários, pára a economia. Nisso, as fábricas que produzem mercadorias não tem como pagar fornecedores e trabalhadores, começando um efeito em cadeia forte que os bancos centrais estão tentando resolver no momento. Surgem então questões, como a ‘Onde foi que erramos?’, que ainda não está claro como será respondida, mas é possível que desencadeie maior regulação do mercado financeiro, com aumento do poder dos Bancos Centrais. A segunda pergunta é ‘estamos salvando os bancos, mas será que fizemos fez bem em salvar bancos ou a deveríamos salvar as famílias?’; esse tema é debate entre os candidatos democratas à presidência norte-americana Hillary Clinton e Barack Obama – diz Antonio Licha, ressaltando, nesse contexto, que a mídia não tem discutido amplamente sobre a situação das famílias que contrataram os créditos imobiliários, tem hipotecas e hoje não podem pagar.
Licha afirma que não se sabe ao certo o montante das famílias em situação de inadimplência ou o que resoluções são tomadas para com elas, uma vez que o enfoque da mídia é maior sobre o mercado financeiro. “Acredito que isso dependa do público de determinado jornal, que não é necessariamente o mesmo. Alguns são dirigidos para um grupo de pessoas mais técnico ou mais interessado em problemas monetários e financeiros, enquanto outros são mais populares nesse aspecto e tentam alcançar outros segmentos da população. Nesse sentido, costumam ter uma consciência mais clara do que está acontecendo com as pessoas que estão sem pagar as hipotecas, podendo perder suas moradias. De todo modo, esse tipo de questões sociais não tem tido muito destaque.”
Quanto ao papel da mídia brasileira frente às conseqüências da crise norte-americana, o especialista faz elogios. “Acredito que a mídia tem feito um bom papel no sentido de tentar prever ou tentar decifrar os efeitos que a crise pode desencadear em nosso país, preocupando-se com o tema”, disse o especialista, fazendo uma ressalva: “creio que, atualmente, os jornalistas da área de Economia ainda não possuem tanta formação técnica, quadro este que deve mudar em breve, pois temos tido mais jornalistas especializando-se na área, em cursos de Doutorado e Mestrado. Do contrário o jornalista se converte numa pessoa que fica repetindo o que ouve. É a pessoa que levanta a informação, que sabe comunicar, que consegue reproduzir vários discursos, mas, às vezes, não tem clareza sobre o que está sendo dito. Acho que ainda falta esse passo”, aconselha Antonio Licha.